domingo, 10 de fevereiro de 2013

Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de Arlindo Varela. Latino Coelho. «Olhavam então para Portugal com virtuosa inveja do governo reformador e livre, que n'este reino ia melhorando as instituições, aperfeiçoando a legislação, e dissipando os ódios e rancores políticos»


Latino Coelho, por António Carneiro
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NOTA: De acordo com o original

Biografia
«[…] O publico é que não estava satisfeito. Habituado a ver manifestar na imprensa periódica as primicias de todos os engenhos, admirava-se de não encontrar ali o nome do sr. Latino Coelho; invejava a fortuna da Escola Polytechnica, e queria que dos fructos de tão vasto engenho lhe fosse destinada uma porção. Amiudavam os convites, mas a modéstia quasi sempre inseparável do verdadeiro saber, ou a deliberação formal de consagrar-se inteiramente aos seus deveres de professor, arredou por muito tempo da arena jornalística o joven tenente de engenheiros.
O biographo da Revista Peninsular, que, por nos parecer bem informado, seguimos n'estes apontamentos, attribue a um padecimento nervoso, a uma melancholia entranhada e invencível a resolução tomada pelo sr. Latino Coelho de entrar na redacção do Farol, bem que já a esse tempo a Época tivesse tido a fortuna de publicar algumas delicadas poesias do distincto professor. Foi em princípios de 1849 que o sr. Latino Coelho encetou a carreira de escriptor litterario e politico, e desde os primeiros ensaios mostrou logo com quanta rapidez e facilidade a devia percorrer, deixando após si muitos que de longa data o precediam. O Farol em que, se a memoria nos não engana, collaborava o sr. António de Serpa, foi n'essa quadra um dos periódicos mais apreciados e lidos em Lisboa e no reino.
Era então a Revolução de Setembro o primeiro jornal politico de Lisboa não só pela qualidade dos homens que n'elle escreviam, como pelo renome que lhe dera a lucta constante e corajosa, em que andara por largo espaço contra o poder. O sr. Latino Coelho estreou-se n'esse jornal como escriptor politico, e a collecção da Revolução de Setembro encerra matéria para muitos volumes, devida á penna do nobre professor. Ali nos coube amiudadas vezes ser testemunha da incomparável facilidade com que o sr. Latino Coelho enriquecia as columnas d'aquelle diário, e observar a especialissima aptidão com que sabia adornar das mais finas galas de estylo e de linguagem os assumptos mais triviais ou mais áridos.
Não nos é possivel seguir o joven escriptor n'esse trabalho incessante, nem julgamos necessário recordar aos leitores cada um dos artigos de que os sabemos lembrados. Basta dizer que foi geral o espanto ao ver que o mancebo que consagrara os seus primeiros annos ás sciencias exactas, e que n'ellas ganhara uma após outra todas as coroas, parecia ter passado esse tempo no estudo reflectido dos nossos melhores clássicos, a colher-lhes todas as belezas, e a accomodal-as elegantemente ás exigências e uso do nosso tempo.
Redactor principal da Emancipação, collaborador da Revolução de Setembro, redactor da Semana em 1851, o sr. Latino Coelho escreveu também na Revista Popular e no Panorama, onde publicou a biographia de Almeida Garrett. No Portugal Artistico deixou paginas de incontestável importância. Ha entre ellas uma consagrada a Cintra, que é um documento eterno da riqueza e formosura da nossa linguagem portugueza, e uma das mais bellas producções do sr. Latino Coelho.

No anno de 1852 publicou o sr. Senibaldo de Mas, antigo embaixador de Hespanha na China, uma memoria em favor da união pacifica de Hespanha e Portugal, e na edição portugueza coube ao sr. Latino Coelho escrever o prologo, que foi lido com ávida curiosidade. A idéa de fazer dos dois reinos da Península uma grande nação, devia agradar a um espirito elevado, como o do sr. Latino Coelho, nas circunstancias politicas de então, a todos os respeitos diferentes das actuaes.
Andavam os hespanhoes mal avindos com o seu próprio governo; prevendo uma grande revolução em Hespanha, estudavam com affinco os meios de a dirigirem de modo que para o futuro ficassem suficientemente asseguradas as instituições liberaes. Parecia-lhes a eles que a dynastia hespanhola odiava a liberdade, e que antes quereria succumbir na lucta do que ceder ás reclamações do partido liberal. Olhavam então para Portugal com virtuosa inveja do governo reformador e livre, que n'este reino ia melhorando as instituições, aperfeiçoando a legislação, e dissipando os ódios e rancores políticos. D'ahi brotou de novo nos animos hespanhoes a idéa ibérica, que por impossível que fosse na pratica, era sempre uma homenagem ao nosso bom juizo e ao progresso incontestável da nossa civilisação.


A revolução de Hespanha em 1854 reconciliou os hespanhoes com a dynastia. A rainha D. Isabel attendeu aos votos dos seus subditos com benevolencia maternal e os liberaes que tinham derramado tanto sangue para fazer triumphar a causa d'aquella princeza, esqueceram desde logo a idéa de uma mudança que não encontrava em Portugal apoio algum nas pessoas, de cujo consentimento essencialmente dependia». In Latino Coelho, Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira, Empresa Literária Fluminense, Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.

Cortesia de Imprensa Portuguesa/JDACT