segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Conferência Pública realizada no Atheneu Commercial de Lisboa, na noite de 15 de Julho de 1900. Alexandre Herculano. Diogo Rosa Machado. «… possuia uma sensibilidade ardente e uma profundeza admirável. Uma imaginação vulcânica e uma grande perspicácia na investigação da verdade. A sua intelligencia era eminentemente analytica e synthetica…»

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«[…] Ser tudo isto ao mesmo tempo é um dos fenómenos mais raros e maravilhosos que nos pôde apresentar a historia litteraria. Pois tudo isto foi Herculano; este phenomeno extraordinário e verdadeiramente maravilhoso é-nos apresentado pela sua obra monumental e complexa. É immensa a gloria de Herculano, mas também é immensa a gloria de Portugal por ter sido a pátria de um escriptor tão insigne e de um varão tão austero. Herculano foi incontestavelmente um dos principaes mestres da nossa língua, um dos pensadores mais profundos da nação portuguesa e um dos historiadores mais eloquentes, exactos e imparciaes que o mundo tem produzido. A immensidade do seu génio levou o grande historiador inglês, Maccaulay, tão sóbrio em louvores, a proferir esta phrase enthusiastica : a Hespanha deveria esforçar-se por conquistar Portugal só para possuir Herculano.
O principe dos historiadores portugueses nasceu no dia vinte e oito de Março de mil e oitocentos e dez. Ha por consequência noventa annos que neste bello país, nesta formosa cidade banhada pelo Tejo, debaixo d'este ceu puro e límpido, nasceu um escriptor em cujo coração se abrigava a sensibilidade ardente de um poeta e em cujo cérebro fulgia a intelligencia profunda de um philosopho. Ha noventa annos que nasceu em Portugal um dos seus escriptores mais brilhantes, fecundos e eruditos e o seu prosador mais eminente. Ha noventa annos que veiu ao mundo um dos artistas mais varonis, um dos caracteres mais austeros, um dos corações mais sensíveis, enérgicos e apaixonados, um dos mais brilhantes luminares da sciencia histórica.
A natureza difficilmente produz os grandes homens; são raríssimos em todas as nações. Por isso devemos admirá-los e glorifica-los como entes extraordinários que a Providencia destinou para conduzir a humanidade pela estrada do progresso e da civilização. Se attendermos á pequenez do território que occupamos na Europa e à respectiva população, Portugal é uma das nações que maior número de homens ilustres têm produzido. O nosso país tem sido o berço dos mais arrojados heroes e dos mais eloquentes escriptores. A litteratura portuguesa é tão rica e luxuriante como o solo da nossa pátria.
A excellente posição geographica do nosso país, o delicioso clima que possuímos, as bellezas naturaes que adornam esta abençoada terra sulcada de rios ora graves e imponentes, ora risonhos e graciosos, os valles amenos e serras magestosas de que ella é matizada e que despertam em nós o sentimento do bello, esse vasto e profundo oceano que nos offerece o espectáculo mais grandioso tornando-nos scismadores e melancólicos e impellindo-nos ás mais altas cogitações e ao mais profundo sentimentalismo, a aptidão assimiladora da nossa raça, cujo vigor não poude ser completamente destruído por mais de duzentos annos de educação jesuítica e de tyrannia inquisitorial, tudo ha contribuído poderosamente para que Portugal tenha produzido grande número de homens distinctos em todos os ramos de litteratura, especialmente na poesia e na historia, que são os géneros litterarios que mais se coadunam com a nossa indole nacional. No meio de tantos poetas e prosadores eminentes occupa Herculano incontestavelmente um dos primeiros logares.
Alexandre Herculano era um d'aquelles homens em quem se acham reunidos os predicados mais opostos:
  • possuia uma sensibilidade ardente e uma profundeza admirável;
  • uma imaginação vulcânica e uma grande perspicácia na investigação da verdade;
  • a sua intelligencia era eminentemente analytica e synthetica;
  • o seu espirito era simultaneamente poético e philosophico;
  • nas suas obras encontra-se um estylo ao mesmo tempo simples e solemne;
  • conciso e enérgico, claro e imaginoso, sóbrio e elegante.
Era verdadeiramente assombroso o poder e a harmonia das suas faculdades. Herculano foi um dos génios mais notáveis do seu século e do seu país. Ninguém ainda revelou uma sensibilidade mais enérgica e varonil do que elle. Em todas as literaturas rarissimas vezes se encontra um escriptor dotado ao mesmo tempo de aptidões tão elevadas e numerosas». In Diogo Rosa Machado, Alexandre Herculano, Conferência Pública realizada no Atheneu Commercial de Lisboa, na noite de 15 de Julho de 1900, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, Lpor H539. Yma, 556544, 14.1.53.

Cortesia de L. Tavares Cardoso & Irmão/JDACT