«[…] Ser tudo isto ao
mesmo tempo é um dos fenómenos mais raros e maravilhosos que nos pôde
apresentar a historia litteraria. Pois tudo isto foi Herculano; este phenomeno extraordinário e verdadeiramente
maravilhoso é-nos apresentado pela sua obra monumental e complexa. É immensa a
gloria de Herculano, mas também é
immensa a gloria de Portugal por ter sido a pátria de um escriptor tão insigne
e de um varão tão austero. Herculano
foi incontestavelmente um dos principaes mestres da nossa língua, um dos
pensadores mais profundos da nação portuguesa e um dos historiadores mais
eloquentes, exactos e imparciaes que o mundo tem produzido. A immensidade do
seu génio levou o grande historiador inglês, Maccaulay, tão sóbrio em louvores,
a proferir esta phrase enthusiastica : a Hespanha deveria esforçar-se por
conquistar Portugal só para possuir Herculano.
O principe dos
historiadores portugueses nasceu no dia vinte e oito de Março de mil e
oitocentos e dez. Ha por consequência noventa annos que neste bello país, nesta
formosa cidade banhada pelo Tejo, debaixo d'este ceu puro e límpido, nasceu um
escriptor em cujo coração se abrigava a sensibilidade ardente de um poeta e em
cujo cérebro fulgia a intelligencia profunda de um philosopho. Ha noventa annos
que nasceu em Portugal um dos seus escriptores mais brilhantes, fecundos e
eruditos e o seu prosador mais eminente. Ha noventa annos que veiu ao mundo um
dos artistas mais varonis, um dos caracteres mais austeros, um dos corações
mais sensíveis, enérgicos e apaixonados, um dos mais brilhantes luminares da
sciencia histórica.
A natureza difficilmente
produz os grandes homens; são raríssimos em todas as nações. Por isso devemos admirá-los
e glorifica-los como entes extraordinários que a Providencia destinou para
conduzir a humanidade pela estrada do progresso e da civilização. Se attendermos
á pequenez do território que occupamos na Europa e à respectiva população, Portugal
é uma das nações que maior número de homens ilustres têm produzido. O nosso
país tem sido o berço dos mais arrojados heroes e dos mais eloquentes
escriptores. A litteratura portuguesa é tão rica e luxuriante como o solo da
nossa pátria.
A excellente posição
geographica do nosso país, o delicioso clima que possuímos, as bellezas naturaes
que adornam esta abençoada terra sulcada de rios ora graves e imponentes, ora
risonhos e graciosos, os valles amenos e serras magestosas de que ella é
matizada e que despertam em nós o sentimento do bello, esse vasto e profundo
oceano que nos offerece o espectáculo mais grandioso tornando-nos scismadores e
melancólicos e impellindo-nos ás mais altas cogitações e ao mais profundo
sentimentalismo, a aptidão assimiladora da nossa raça, cujo vigor não poude ser
completamente destruído por mais de duzentos annos de educação jesuítica e de
tyrannia inquisitorial, tudo ha contribuído poderosamente para que Portugal
tenha produzido grande número de homens distinctos em todos os ramos de litteratura,
especialmente na poesia e na historia, que são os géneros litterarios que mais se
coadunam com a nossa indole nacional. No meio de tantos poetas e prosadores eminentes
occupa Herculano incontestavelmente um
dos primeiros logares.
Alexandre Herculano era um d'aquelles homens em quem se acham reunidos
os predicados mais opostos:
- possuia uma sensibilidade ardente e uma profundeza admirável;
- uma imaginação vulcânica e uma grande perspicácia na investigação da verdade;
- a sua intelligencia era eminentemente analytica e synthetica;
- o seu espirito era simultaneamente poético e philosophico;
- nas suas obras encontra-se um estylo ao mesmo tempo simples e solemne;
- conciso e enérgico, claro e imaginoso, sóbrio e elegante.
Era verdadeiramente assombroso o poder e a harmonia das suas
faculdades. Herculano foi um dos
génios mais notáveis do seu século e do seu país. Ninguém ainda revelou uma sensibilidade
mais enérgica e varonil do que elle. Em todas as literaturas rarissimas vezes se
encontra um escriptor dotado ao mesmo tempo de aptidões tão elevadas e numerosas».
In
Diogo Rosa Machado, Alexandre Herculano, Conferência Pública realizada no
Atheneu Commercial de Lisboa, na noite de 15 de Julho de 1900, Livraria Editora
Tavares Cardoso & Irmão, Lpor H539. Yma, 556544, 14.1.53.
Cortesia de L. Tavares Cardoso & Irmão/JDACT