terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Comunas ou Concelhos. História. António Borges Coelho. «E aqui mesmo, no Garbe do Andaluz, não é Sisnando de Tentúgal, o moçárabe que acelera a entrega de Coimbra e dos territórios Entre-Douro-e-Mondego? O primeiro bispo da cidade e Paterno, ex-bispo da muçulmana Tortosa»


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Leão e Andaluz
Leão
«Na viragem do século XI para o século XII sente-se uma fractura na história do Extremo Ocidente: a direcção da sociedade que se pulverizara nas mãos da aristocracia terratenente quebra-se aqui e ali, surgindo de baixo centros de Poder novos. E pela fissura aberta desenvolvem-se as classes médias que bloqueiam a dicotomia até aí essencial senhor-servo. No Andaluz que constituía, a ocidente, o eixo do desenvolvimento económico-social, talvez a fractura se devesse colocar no século X quando os hispano-mulçulmanos em rebelião puseram em perigo o Estado omíada, ou então na primeira metade do século XI quando o território se constelou de pequenos Estados independentes. Durante os séculos XI e XII, o Andaluz constituía ainda o foco civilizacional, alcançando a escrita literária, filosófica e de raiz científica o momento mais alto do seu desenvolvimento. No entanto, os movimentos revolucionários de Córdova de 1009 a 1031, com a queda da dinastia omíada e a fragmentação política e militar dos reinos de taifas, vão aguçar o apetite dos vizinhos cristãos ante a farta presa que se patenteava.

Islamitas e moçárabes
Islamitas e moçárabes, os cristãos do Islão, instilaram durante séculos e mesmo agora sangue novo no Estado leonês. Recordemos com Menéndez Pidal alguns eventos significativos. Zamora, um dos padrastos da Reconquista, será edificada em 893 por moçárabes e a expensas de um rico moçárabe de Toledo. Alguns dos principais mosteiros dos séculos X e XI são restaurados pela imigração moçárabe, Sahagun em 904, São Miguel de Escalada em 913, São Zoil de Carrion em 1060. Nas vésperas da conquista da velha capital visigótica (1085), um moçárabe escreve dentro dos seus muros a Crónica Pseudo-Isiodoriana. A Crónica Silense, redigida em Leão por volta de 1115, deve-se com toda a probabilidade à pena de um moçárabe toledano. Na reconquista de praças-fortes como Coimbra, São Martinho de Mouros, Toledo, Santarém (1095), temos de contar também com o levantamento da sua população moçárabe. E já com as armas da cruz cravadas nas suas muralhas, não é a moçárabe Toledo que os condes Raimundo e Henrique cobiçam, mesmo pela força das armas?
Por outro lado, o conde Sancho Garcia de Castela, o dos bons foros, o vencedor da Batalha de Cantija (1012) a soldo dos berberes que expugnavam Córdova, não se deslocava usando tendas de viagem, almofadas e vestido à mulçumana? Pedro I de Navarra e Aragão (1094-1104), amigo de Cid, assinava em caracteres arábicos. Mercadores do Andaluz, mouros ou judeus, entonteciam a aristocracia de Leão nos séculos X e XI com produtos orientais e bizantinos, com cavalos, mulas, armas, tapetes, vasos, panos, leitos argênteos e outras bruxarias.
E aqui mesmo, no Garbe do Andaluz, não é Sisnando de Tentúgal, o moçárabe que acelera a entrega de Coimbra e dos territórios Entre-Douro-e-Mondego? O primeiro bispo da cidade e Paterno, ex-bispo da muçulmana Tortosa, no oriente de Espanha. E a Coimbra chega de Além-Mouros o abade Pedro, repovoador da Figueira da Foz. Lorvão, Vacariça, Grijó, Sever mosteiros moçárabes, permanecem, um século depois da Reconquista, como os principais cenóbios ocidentais.

Cluniacenses e almorávidas
No último quartel do século XI, imigrantes franco-cluniacenses-romanos alcançam alguns dos cargos principais do Estado castelhano-leonês, avivando, contra uma prática de convivência religiosa e de concessões sociais, uma política de cruzada que se acompanha de um coser mais cerce das instituições feudais». In António Borges Coelho, Comunas ou Concelhos, Editorial Caminho, colecção Universitária, Lisboa, 1986.

Cortesia de Caminho/JDACT