(Continuação)
15.ª - Recordo-vos, por
aquilo que vos convém, que pondereis bem estes favores de Nosso Senhor, o que
éreis então, o que eram os nossos inimigos e o que sucedeu. O mesmo Deus que
então tínheis, o tendes agora, o qual nunca faltou, nem faltará, com um outro
Nuno Álvares ou com uma outra donzela de França a tempo, segundo o juízo humano
tão fora de remédio, o que por sua bondade não existe agora, se quereis
unir-vos e pôr as facções de parte, tratando do bem comum, ou melhor pelo
estada em que ao presente se encontram as coisas que vos recordarei.
16.ª - Recordo-vos que agora
não vos achais como naquele tempo tão fracos nem tal mal armados, nem tão
poucos em número, antes pelo contrário, se vós quereis e tudo a respeito do
comum de Castela, com muito mais armas e maior exército. Pois que há 10 anos,
exercitados naquelas nossas ordenanças com 15 ou 20 mil arcabuzes, os quais com
a ocasião deste tempo, me fazem tão diferente de Castela, porque não tem hoje
arcabuzes nem soldados que os saibam manejar, e em mim não há aldeia onde não
haja seis.
17.ª - Recordo-vos que os
seus soldados velhos e gente de guarnição que tem e com os quais vos metem
medo, são somente algumas guarnições dos Estados da Itália e de Flandres, os
quais logo que sejam tirados de lá, contra mim, perderão tudo; e julgai-o por vós,
se pusésseis o certo em risco pelo incerto, mesmo que fosse mais o incerto,
sendo além disto o meu país apto a defender-se.
18.ª - Recordo-vos também
que agora não se acha Castela corno naquele tempo em que estavam unidos e juntos
aqueles três reinos, sem ter tantos Estados afastados que lhe convém sustentar.
E que agora, além de Aragão e Navarra com seu rei, tem a Sicília e as outras
ilhas, Nápoles, Milão, Flandres, Holanda, e Zelândia.
19.ª - Recordo-vos que todos
estes reinos e Estados que lhe são juntos o intimidam muito mais do que ajudam,
porque, pela distância havida entre eles, gasta-se mais em sustentá-los do que
rendem. E por experiência se vê que eles mais tiram de Castela do que ela deles.
20.ª - Recordo-vos que todos
os referidos Estados se acham tão oprimidos e escandalizados pela soberba e mau
comportamento desta gente que só desejam uma ocasião em que possam alijar um
jugo tão insuportável, e tanto que dizem, preferir mais ser pelos turcos do que pelos castetlhanos.
21.ª - Recordo-vos que os
referidos Estados fora de si fazem tão pouco que quando a Sicília, Nápoles e outros
lugares marítimos se defenderam dos turcos e com as suas armas se defenderam
assaz. E, que seja verdadeiro, mostram-no os cercos de Malta e da Goleta com o
socorro que lhe deram, que Malta sendo assim importante, juntando-se o socorro de
cá com o de lá, lhe foi dado por mim como se e tomaram Goleta, sem poderem
socorrê-la, estando as duas coisos juntas.
22.ª - Recordo-vos quanto foi
fácil ao Príncipe de Orange rebelar-me com aqueles Estados da Holanda e de Zelândia,
dos quais era governador, e a Flandres tomá-lo por seu defensor e rebelar-se
sem que até hoje possa dar-se remédio, nem parece que o terá tão cedo, porque
aquela gente, com tal sujeição, mais tolera os trabalhos da guerra que os
repousos da paz.
23.ª - Recordo-vos quando aí
concederam isto, porque estes Estados estão muito afastados, quantos trabalhos
deram ao coração de Castela os mouros de Granada sem armas e sem Rei, nem
chefe, e quanto foi difícil derrotá-los.
24.ª – Recordo-vos que a guerra
movida contra mim alterará todos aqueles reinos e Estados, começando por Aragão
e em todos os outros. E a força não unida é como parede sem cal. Por uma só pedra
que se mova, tudo se desfaz. E tanto mais quanto todos estão prontos a defender
a liberdade, e, para isto, bastar-lhe-á qualquer exemplo.
continua
In Mário Domingues, O Prior do Crato Contra Filipe II, Evocação
Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1965.
Cortesia de Romano Torres/JDACT