quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «A imagem divulgada pelos escritores portugueses corresponde mais a “uma princesa de opereta ou a uma visionária mística do que à forte personalidade” transmitida posteriormente pelos documentos estudados…»

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«A infanta Isabel da Casa de Avis inaugura os notáveis casamentos de princesas portuguesas no período que vai do século XV à primeira parte do século XVI. Portugal ocupava então na Europa um lugar primordial entre os outros reinos. Logo que o rei João I, depois de se associar à casa inglesa dos Lencastre e ter começado a instalar-se nas costas de África, casa a sua única filha com o grão-duque do Ocidente, a bela Leonor, filha do rei Duarte I, fica noiva em 1451 de Frederico III, imperador da Alemanha, e a princesa Isabel, filha de Manuel I, desposaria, em 1525, o mais poderoso soberano da Europa, o imperador Carlos V. Em seguida, a nobreza portuguesa, que caíra sob a alçada dos jesuítas, submete-se à realeza espanhola e não retomará alento senão depois de 1640. O impulso trazido por estes casamentos afortunados à prosperidade nacional é indiscutível, dependendo estreitamente do brilho destas estrelas da família real o progresso do reino, qual rubi pousado sobre as façanhas dos navegadores.
Enquanto as proezas dos seus irmãos, que o poeta dos poetas, Camões, havia qualificado de Ínclita Geração, ascendiam à ordem do mítico, a jovem infanta ficava silenciosamente na sombra. Os escritos em português que lhe concernem são raros, superficiais, e, em francês, o renome do duque Filipe de Borgonha e o de seu filho Carlos, o Temerário, abafavam a figura, que na verdade começava a destacar-se, da duquesa Isabel. A imagem divulgada pelos escritores portugueses corresponde mais a uma princesa de opereta ou a uma visionária mística do que à forte personalidade transmitida posteriormente pelos documentos estudados, que nos fizeram descobrir uma aristocrata implicada de corpo e alma na administração dos estados do ducado, tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.
Durante os primeiros decénios após a chegada de Isabel à Flandres, o duque sentia necessidade de cimentar o seu poder, em plena guerra dos Cem Anos, no meio da disputa bélica entre os ingleses e os reis de França, estes últimos então fortemente debilitados. Depois que o filho Carlos ficou em condições de assumir a governação, Isabel abandonou a vida da corte para se entregar ao seu sonho espiritual e humanitário direccionado para o povo carente, sobretudo as mulheres. A par da evoluída espiritualidade, e também pelo acolhimento dado a letrados e artistas, apercebemo-nos da predominância, no seu círculo, de uma exigência intelectual acentuada, à qual aflorava o balbuciar do humanismo. Paralelamente à guerra conduzida por valentes cavaleiros, estando então próximo o fim dos seus alardes guerreiros, impôs-se o cunho de um código de submissão das cidades por vezes à custa das mais selvagens represálias.
As relações de Portugal com a Flandres remontam à formação do país; cavaleiros, cruzados flamengos, participaram na tomada de Lisboa, 1147 e de Silves, 1189. Desde então várias uniões matrimoniais se teceram:
  • a infanta Teresa, filha de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, casa-se com o conde de Flandres,
  • Filipe de Alsácia, e Fernando, filho de Sancho I, com a duquesa de Flandres.
Por outro lado, os flamengos povoaram terras virgens da Reconquista portuguesa, ao mesmo tempo que as trocas comerciais portuguesas com os portos da Flandres se acentuam, em particular no reinado de Dinis I, 1293. Depois de 1387,os mercadores e mestres de navios portugueses obtêm dos condes de Flandres um salvo-conduto que lhes abre as portas do comércio com as cidades de Gand, Bruges e Ypres, onde são transaccionados produtos, sobretudo tecidos, equipamentos para cavalaria e objectos em ferro, vindos também do interior da Europa. Bruges torna-se, no princípio do século XV, um entreposto de mercadores portugueses, reconhecidos por decreto como nação, podendo assim defender juridicamente os seus interesses nesses negócios.
A expedição organizada pelos portugueses, em 1415, a Ceuta, contava nas suas fileiras com um corpo de combatentes flamengos dirigido pelos irmãos Capella, aparentemente com o acordo do duque João Sem Medo. Filipe, o Bom, confirmou as regalias atribuídas aos mercadores e marinheiros portugueses que trabalhavam com a Flandres. Em 1425, o duque de Coimbra, infante Pedro, no decurso da sua viagem pela Europa, detém-se longamente na corte de Filipe, o Bom. Envia então ao seu irmão Duarte a célebre Carta de Bruges, contendo as sugestões que permitiriam renovar a administração e impulsionar o progresso do país.


A beleza e as qualidades de Isabel
Procurando desenhar os contornos de espírito da infanta Isabel, o conde de Sabugosa acreditou ver no prazer que ela punha a ocupar-se de um casal de cisnes, que tinham sido introduzidos nos lagos dos jardins do palácio de Sintra, uma alma orgulhosa e combativa. Comparando-a aos irmãos, ele detecta igualmente nela um pendor poético aliado a uma imaginação cavalheiresca e romanesca, temperada por uma abertura subjacente ao intelectualismo humanista, que parecia dominar a corte. Os livros da biblioteca do rei Duarte I, seu irmão, que haviam pertencido a todos os infantes, testemunhavam-no». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT