quinta-feira, 1 de maio de 2014

Cântico dos Cânticos. Tradução do hebraico. Tolentino Mendonça. «Cruzemo-lo com a literatura mesopotâmica. Um paralelo tentador: será também o culto, o contexto vital de origem do Cântico dos Cânticos? Em que medida a sua dramática da sexualidade não depende da mentalidade hierogâmica?»

Cortesia de ildadavid, jdact

Cânticos dos Cânticos
«(…)
Enegrecida estou mas sou formosa     mulheres de Jerusalém
tal as tendas de Quedar     tal os panejamentos de Salomão
não estranheis estar morena     contra mim resplandeceu o sol
os filhos de minha mãe comigo se indignaram     por guarda de vinhas me
puseram
só a minha própria vinha não guardei
a mim avisa-me amado do meu coração     onde levas o rebanho
onde o recolhes ao meio-dia
não tenha de vaguear oculta     atrás dos rebanhos dos teus companheiros
se não te foi dito     ó mais bela das mulheres
segue os rastros do rebanho     e apascenta os teus cabritos
junto às cabanas dos pastores.

A uma égua minha entre os carros do Faraó     eu te comparo minha amiga
formosas são tuas faces mais que os brincos     tua garganta mais que os colares
arrecadas de ouro faremos para ti     com incrustações de prata
enquanto o rei está em seu divã     o meu nardo dá o seu perfume
uma pequena bolsa de mirra meu amado é para mim     entre meus seios firmada
um pequeno molho de cânfora meu amado é para mim     do horto de
En-Gaddi.

Ah como estás bela minha amiga     ah como estás bela com teus olhos de
pomba
oh como estás belo meu amado e que doçura     o nosso leito entre a verdura
os cedros são as vigas da nossa casa     os ciprestes são os forros do telhado.

Sou um narciso do Sarón     um lírio dos vales
tal como um lírio entre os cardos     a minha amada entre as raparigas
tal como a macieira entre as árvores da floresta     o meu amado entre os jovens
anseio sentar-me à sua sombra     e morder seu fruto doce
fez-me entrar na sala do banquete     e de encontro a mim sua bandeira de amor
sustentem-me com bolos de passas     fortaleçam-me com maçãs
porque desfaleço de amor
a sua mão esquerda debaixo da minha cabeça     e a sua direita abraça-me
suplico-vos mulheres de Jerusalém
pelas gazelas ou pelas corças selvagens
não despertem não desvelem     o amor até que ele o queira».
[…]
In José Tolentino Mendonça, Cântico dos Cânticos, tradução do hebraico, Edições Cotovia, Lisboa, 1997, ISBN 972-8028-68-7.

Cortesia de Cotovia/JDACT