quinta-feira, 1 de maio de 2014

Ensaios. A História de Portugal. Vitorino Magalhães Godinho. «… as proporções que entre essas partes existem e a sua disposição relativa, o conjunto das relações internas e externas dessa totalidade que a especificam quanto a outras totalidades (de que eventualmente até faz parte), mantendo-se relativamente constante num intervalo de tempo assás longo»

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A Divisão da História de Portugal em períodos
«(…) Embora tais investigações ainda não estejam feitas, que pensar razoavelmente de uma divisão da história de Portugal em períodos? Herculano situava uma primeira cesura no último quartel do século XIII; então, ou em começos do XIV parece haver realmente uma transformação. 1385 é certamente muito importante (o mesmo não cabe dizer da paz com Castela em 1411), mas a reconstituição de estruturas anteriores, embora vivificada por novos quadros, a persistência das crises e lutas leva a pensar se não seria melhor considerar um corte a meio de Quatrocentos, com a inversão do feudo económico e os começos de repercussão na estrutura metropolitana da expansão ultramarina. Se entre estas duas soluções é lícito hesitar, já não é quanto à justeza da concepção de Herculano, de que 1580 e 1640 representam tão só levíssimas alterações no modo de existir nacional. A grande viragem parece situar-se a meio do século XVI, entre 1545 e 1550 (a data de 1557 adoptada na Barcelos, é insignificativa). A crise do imperialismo peninsular data de entre 1620 e 1630, quando à subida longa de preços sucede a baixa e diminuem sensacionalmente as chegadas de prata mexicano-peruana. A outra viragem para novo complexo histórico-geográfico é de 1670-1680, e conviria terminar esse período quando o antigo regime entra em crise, em fins do século XVIII ou começos do XIX, para chegarmos a alturas de 1870 e marcarmos nova cesura. Estes tópicos representam um compromisso entre vários pontos de vista, sem que possamos esquecer a persistência profunda de estruturas e maneiras de ser mesmo em períodos posteriores e sob novas roupagens (ainda hoje a sociedade portuguesa mantém muitas características do antigo regime). Seja como for, a divisão em períodos não pode traduzir-se em datas precisas: as viragens estruturais operam-se, embora a ritmos diversos consoante as épocas, assás lentamente; as inversões de conjuntura longa também não datam de um ano preciso simultâneamente para todos os produtos ou sectores, levam alguns anos a espraiar-se; aquelas e estas não resultam de acontecimentos, no sentido em que se entendia o acontecimento, facto histórico com data e personagens definidos de grande alcance, mas de processus de transformação colectiva. Daí que seja preferível, para dividir a história de Portugal, não escolher datas mas sim balisar franjas de separação, mais ou menos largas temporariamente.

A evolução dos complexos histórico-geográficos
A economia tem de ser consideracia na sua configuração espacial, inscrita no espaço geográfico cuja geometria é dada pelas condições técnicas (distâncias medidas em velocidades e em riscos e custos de comunicação). Por outro lado, como toda a dominância o é tão só num sector regional e em função de outras dominâncias noutras regiões, há que considerar a complexa economia (e a sociedade, dela inseparável) em que se insere, com as suas específicas tensões de factores. Nesta dupla perspectiva, a noção mais geral é a de estrutura: unidade de uma multiplicidade, é a maneira como um todo se compõe das suas partes (ou um conjunto dos seus elementos), as proporções que entre essas partes existem e a sua disposição relativa, o conjunto das relações internas e externas dessa totalidade que a especificam quanto a outras totalidades (de que eventualmente até faz parte), mantendo-se relativamente constante num intervalo de tempo assás longo. Como tal, a noção de estrutura tanto opera quanto à sociedade global como quanto aos grupos, sectores de actividade, regiões e localidades que a integram, sendo sempre o meio de aprender analítico--sinteticamente (por explicação-compreensão) o facto social total. Há que definir-lhe pois a sua pluridimensionalidade nas multiplicidades dos espaços geográficos, dos tempos histórico-sociais e das relações humanas; as estruturas justapõem-se, são intersecantes, integram-se, subordinam-se ou coordenam-se, umas vezes de forma compatível, outras em incompatibilidade ou pelo menos em desharmonia ou discronia. A realidade é sempre, assim, um complexo mais ou menos coerente, ou antes, incoerente, de estruturas configurando-se num espaço geográfico, processando-se nos tempos histórico-sociais. Se considerarmos um complexo coerente de estruturas tal que o conjunto das relações pareça resultar de um pequeno número de princípios compatíveis explicitados, teremos o sistema, concepção doutrinária mais do que realidade social, mas que em força real se transforma sempre que os homens, ou pelo menos certos homens, dele tomam consciência: assim o feudalismo; o mercantilismo, o absolutisrno, o liberalismo, o capitalismo, o socialismo. Convém ainda distinguir o regime, que é afinal a ordem jurídica, global (monarquia, república...) ou relativa a uma colecção de fenómenos (propriedade, trabalho...), conjunto de normas compulsórias ligadas a sanções fixadas e aplicáveis por órgão socialmente diferenciado. O regime é, pois, uma parte ou aspecto de um complexo histórico-geográfico, que marca mais ou menos profundamente consoante a potência do aparelho estadual». In Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios, Sobre a História de Portugal, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1ª Edição, 1968.

Cortesia LSdaCosta/JDACT