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Lusbuna.
Verão de 1142
«(…)
Speyer situava-se a uma centena de milhas de Colónia, Reno acima. Há cerca de
sessenta anos, o imperador Henrique IV tinha mandado ampliar a catedral da
cidade, fazendo dela a maior construção de toda a Cristandade. Konrad
constatou, porém, que naquele Natal de 1146 ela bem poderia ser duas ou três
vezes maior. Só com dificuldade se embrenhou no meio do povo que se apertava no
seu interior. Teve que se contentar com um lugar de pé, perto da porta
principal, mas de onde via o monge Bernardo Claraval e o rei, ambos sentados ao
lado do altar. Que estranha coincidência ele ter o mesmo nome do monarca! Tratava-se
com certeza de um bom presságio. Toda a gente sabia que Konrad III não estava
muito entusiasmado com as cruzadas, ao contrário de Luís VII, rei de França.
Teria a ver com os conflitos que constantemente opunham o monarca alemão ao
papa? O pontífice ainda não o havia coroado imperador em Roma, quebrando a
tradição, pois o rei alemão regia sobre o chamado Sacro Império Romano, que
incluía vastos territórios da Europa Central e o norte de Itália. O povo seguia
emocionado a cerimónia na catedral de Speyer, apesar de quase ninguém entender
a missa rezada em latim. Mas as gentes humildes vergavam-se ao peso das
palavras misteriosas, murmuravam preces, na esperança de que o Todo-Poderoso
lhes concedesse solução para os seus problemas, cura para as suas doenças e a
entrada no Paraíso. Chegou a altura da pregação e Bernardo Claraval
levantou-se. O seu hábito branco de cisterciense reflectia a luz das velas, o
que, àquela distância, dava a Konrad a impressão de que avistava um vulto
envolto numa aura divina. Bernardo empurrou o capucho para trás e mostrou um
rosto ressequido, marcado pela ascese. O homem podia ser frágil e seco, mas a
voz que emanava enchia os cem pés de altura da nave principal. Entranhada na
pedra, percorria as paredes e alcançava os cantos mais remotos da catedral. O
povo convenceu-se de que aquela não era outra senão a voz de Deus, até Konrad,
pois parecia-lhe que os lábios do cisterciense mal se moviam. Ao contrário da
missa, a pregação pelas cruzadas era traduzida. Bernardo acedeu ao pedido do
arcebispo de Colónia e condenou a violência contra os judeus. Depois, fez
surgir uma bula papal do interior do seu hábito, em que o pontífice garantia
absolvição para todos os pecados de quem tomasse o sinal da cruz. Assim obténs
tu, bravo cavaleiro, pregava a voz poderosa, obténs tu, homem guerreiro, um
campo de batalha, onde lutarás sem medo, pois que a vitória conduz à glória,
mas também a morte significa ganho. Bernardo enumerou os perigos que ameaçavam
a Terra de Cristo e elevou os alemães a heróis: a vossa terra é fértil em homens
fortes e corajosos. Por todo o mundo circula a fama da vossa heroicidade. Por
isso vos digo: tomai as vossas armas com fervor, em nome de Cristo! Tomai o
sinal da cruz e, para tudo o que o vosso coração arrependido confessar,
obtereis perdão! Por fim, o monge referiu-se desagradado à hesitação de Konrad
III em participar neste empreendimento, dizendo que o rei alemão era ingrato,
ao recusar-se lutar por Cristo, que tanto por ele fizera.
Estas
palavras ofensivas criaram no povo um certo receio quanto à reacção do rei. Mas
que mais lhe restaria senão obedecer à voz de Deus? E assim aconteceu: Konrad
III anunciou ter mudado de ideias e resolvido participar nas cruzadas! Konrad
perguntava-se se a pregação o teria impressionado àquele ponto, ou se ele apenas
tentava uma aproximação ao papa, a fim de ser finalmente honrado com a coroa
imperial. Fosse como fosse. Na Primavera, o rei alemão far-se-ia ao caminho,
tal como Luís VII de França. O povo jubilou. Depois de sucessivas colheitas
desastrosas, a que se seguiam Invernos de fome, prontificavam-se milhares a
tentar a sua sorte na Terra Santa. As cruzadas?, repetiu Johann, os olhos
castanho-claros escancarados. Achas mesmo que devemos tomar parte nelas? Konrad
observava o irmão perplexo, que, apesar dos seus quinze anos, ainda lhe parecia
um miúdo, com os seus cabelos claros e lisos cortados em redondo. Logo tu tens
dessas dúvidas? Haverá melhor maneira de servir a Deus?» In Cristina Torrão, A Cruz de
Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
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Ésquilo/JDACT