As fatias do bolo-rei
«Quem parte e reparte e não fica com
a melhor parte ou é tolo ou não tem arte, diz um ditado popular. É verdade: se a
pessoa a fazer a divisão for também a que fizer a escolha, nada garante que um dos
parceiros não fique prejudicado. Por isso, e para evitar que alguém se possa queixar
do resultado da partilha, o melhor é proceder em duas etapas: um dos parceiros divide
o bolo e o outro escolhe a sua fatia. Desta forma, é do interesse do primeiro fazer
a divisão da forma mais equitativa possível, pois, se assim não acontecer, terá
a certeza de ficar com o pior bocado. É uma sábia conjugação de situações, pois
os dois parceiros, afinal ambos movidos pelo egoísmo, colaboram de forma que nenhum
fique prejudicado. A história é muito conhecida e aplicada em muitas situações do
dia-a-dia, e não só na divisão de guloseimas entre crianças. O problema complica-se,
contudo, se o bolo tiver de ser dividido entre mais de dois parceiros. Como se há-de
fazer se forem três, por exemplo? Ou se forem muitos mais? E se tivermos um
bolo a dividir entre vinte pessoas igualmente gulosas?
O problema não é simples e os matemáticos
têm vindo a desenvolver algoritmos para partilhas equitativas, Esses algoritmos
podem ter aplicações em áreas muito diversas, desde a partilha de heranças e a divisão
de obrigações pecuniárias até às negociações de desarmamento ou ao estabelecimento
de fronteiras entre países. O algoritmo um parte, outro escolhe pode
aplicar-se a mais de dois parceiros. Se tivermos quatro pretendentes a um bolo,
por exemplo, o algoritmo desdobra-se em duas etapas. Começa-se por agrupar os pretendentes
ao bolo em dois grupos, com dois elementos em cada grupo. Um dos grupos divide o
bolo em duas partes e o outro escolhe a sua metade. Na segunda etapa, cada par de
gulosos divide a sua metade de bolo ao meio, seguindo de novo o processo de um partir
e o outro escolher.
É fácil ver que este método interactivo
pode funcionar igualmente para oito pessoas ou, em geral, para potências de dois.
Mas já não é tão simples encontrar uma solução no caso de haver três pessoas. Mas
pensando bem, consegue arranjar-se um método que funcione nesse caso. Quer o leitor
dar uma sugestão? Os matemáticos, contudo, não gostam de soluções que apenas funcionam
para casos particulares, pelo que têm procurado algoritmos mais gerais. O ideal
seria encontrar um método que funcionasse com qualquer número de pessoas. Um desses
métodos, proposto pelos matemáticos polacos Stefan Banach (1892--1945) e Bronislaw
Knaster (1893-1980), resolve o problema com um número qualquer de parceiros. É
o chamado algoritmo da faca deslizante. Este caso é mais fácil de perceber com
um bolo sobre o comprido, como um bolo inglês». In Nuno Crato, A Matemática das
Coisas, 2008, Gradiva Publicações, 2011, ISBN 978-989-616-241-2.
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