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«(…) Entretanto casou-se
com uma dama riquíssima, Ana Ataíde, que era sua prima, filha dos condes de Monsanto
e senhores de Cascais, portanto neta do poderoso António Ataíde, que foi vedor
da Fazenda, e um dos maiores amigos do próprio João de Castro. Como hipótese,
podemos adiantar que as tapeçarias terão sido encomendadas quando da viagem de
Álvaro Ataíde a França, como embaixador, para apresentar os pêsames da Corte
Portuguesa a Catarina de Medice, pela morte do monarca Henrique II, e
eventualmente tratar do casamento da infanta dona Maria com o imperador
Fernando I de Habsburgo. Assim a encomenda poder-se-ia colocar entre 1558 e
1560.
Mas é também possível
que fosse a própria Corte a encomendar estas obras, ou pelo menos a
patrociná-las fortemente, pois há o precedente da encomenda da série da
primeira viagem de Vasco da Gama, por Manuel I, para publicitar a descoberta do
Caminho Marítimo para a Índia e o facto de se ter tornado senhor do Comércio
e das Conquistas e Navegações da Arábia, Pérsia e Índia, tapeçarias que
ficaram conhecidas como à maneira de Portugal e da Índia, e de que foram feitas
diversas séries, ao longo das décadas seguintes. Também nestas o exótico era um
tópico, e não teriam alcançado o êxito que tiveram, não fossem as representações
das coisas da Ásia. Se escolhermos a tapeçaria menos conhecida do grande
público, revelada por nós recentemente, notaremos imediatamente esse exotismo.
Os elementos iconográficos essenciais são as duas girafas, vindo da esquerda
para a direita, uma delas montada por um homem armado com uma lança. A outra, a
que está mais atrás, tem um serviçal a segurá-la, este já dentro de uma cerca,
como que a recebê-la. O lado direito está próximo das tapeçarias com temas
pastoris.
Opostamente, o lado
esquerdo do observador, para além das já referidas girafas, um servo puxa um
camelo que está deitado e de que só se vê parte da cabeça e do pescoço. Um
outro homem, armado com uma lança, com um turbante na cabeça, o que indicará a
sua origem oriental, e com a mão direita pousada no punho de uma cimitarra,
espera o resto do cortejo. As flores e os frutos, que parecem laranjas apontam
para regiões longínquas e para realidades novas. A vitória de Diu elevou João
III ao mesmo nível de Carlos V, quando este conquistou Tunes, e não estando lá
presencialmente, estava lá através do seu longo braço materializado na figura
do vice-rei. Isto justificaria o facto de não estarem em Portugal, mas sim em
colecções de familiares chegados da rainha dona Catarina de Áustria, como aliás
aconteceu com muitas obras que vieram do Oriente, e que eram da maior importância,
quer política quer material, como os cofres das embaixadas do Ceilão, mas que
parece não terem interessado muito aos monarcas portugueses. Também as
tapeçarias vulgarmente conhecidas como de Pastrana, dedicadas às conquistas
em Marrocos, ou as das glórias de João III e dona Catarina e a sua equiparação
aos deuses do Olimpo acabaram no país vizinho.
Alguns autores
pretenderam identificar nas tapeçarias os retratos da infanta dona Maria e do
infante Luís, ideia que também já perfilhámos, mas que abandonámos, dando hoje
total razão aos argumentos de Vasco Graça Moura sobre esta questão. Se assim
fosse, estariam representados fora do contexto geográfico e temporal, devendo
ser antes Álvaro Castro e dona Ana Ataíde, sua esposa». In Pedro Dias, Uma Tapeçaria Inédita da Série dos feitos de
D. João de Castro, A importação
de esculturas de Itália nos séculos XV e XVI, Coimbra, 1987.
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