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Coimbra, Julho de 1117
«(…) Chamoa e Maria encostaram-se
à mãe, enquanto um cavaleiro declarava que iria levá-las à presença do prelado
de Compostela. Aflita, Elvira Peres Trava olhou para o castelo de Tui, a poucas
léguas, e viu-o já cercado. Conhecia Gelmires de vista, nas suas idas a
Compostela, e um pouco mais tarde aquele homem gordo, calvo e desagradável, explicou-lhe
que ele e dona Urraca iriam obrigar Gomes Nunes a declarar-se finalmente
súbdito da rainha. Caso contrário, Tui seria saqueada. A chorar, com as filhas
agarradas às saias, Elvira implorou misericórdia e pediu ao prelado que
poupasse o seu esposo. Relembrou-lhe que era uma Trava, que seu irmão se
juntara com dona Teresa e que seu pai, Pedro Froilaz, sentiria qualquer ataque
a Tui como uma ofensa que não passaria sem retaliação.
O cínico Gelmires bateu as
grossas pestanas e perguntou-lhe: com qual dos vossos irmãos está casada dona
Teresa? Nunca sei... A malícia daquele homem de nome grotesco era
compreensível. A inconstância amorosa de dona Teresa, que primeiro vivera com
Bermudo, casando-o de seguida com uma filha dela, Urraca Henriques, para depois
se unir ao irmão dele, Fernão, era um desvario incestuoso, que incendiava
contra ela os religiosos da região. Atrapalhada, Elvira calou-se e as filhas
choramingaram, enquanto o untuoso Gelmires avisava: não podeis casar com dois
irmãos quando ambos ainda estão vivos, Deus castiga-vos!
De seguida, o arcebispo enviou-as
para uma tenda, onde era suposto permanecerem, sossegadas, enquanto durasse o
cerco a Tui. Contudo, à hora da ceia, Elvira viu aparecer seu irmão, Fernão
Peres Trava. Julgava-o com dona Teresa, e perguntou-lhe o que ali fazia, enquanto
Chamoa e Maria Gomes beijavam a mão do tio. Intercedo junto do Gelmires. Por
vós, por vosso marido e também por dona Teresa, explicou Fernão Peres.
Para azar deles, a situação em
Tui agravara-se. Na margem sul do rio Minho, quase em frente à cidade, estavam
agora instaladas as tropas de dona Teresa, que tinham marchado à pressa para o
Norte, logo que haviam sabido da invasão de dona Urraca. Estão mal comandadas,
resmungou Fernão Peres. Nosso irmão Bermudo não tem jeito nenhum para as artes
da guerra!
O tio Fernão era adorado pelas
sobrinhas, que o consideravam um ídolo. Chamoa, em voz baixa, comentou com a
irmã que era com alguém assim que gostaria de casar-se. Fernão Peres ouviu-a e sorriu-lhe:
sonhais casar com um príncipe, Chamoa? Ela corou, embaraçada, e o tio
acrescentou: eu também sempre quis casar com uma princesa como vós, tão bela, e
é por isso que me enamorei de dona Teresa. Proferida esta frase, colocou de
novo um ar preocupado e adiantou a sua previsão dos combates. Vamos perder Tui,
pelo menos para já.
Enviara
um primeiro mensageiro ao cunhado, que estava cercado no castelo, sugerindo que
se rendesse a dona Urraca; e um segundo a Bermudo, parqueado do lado de lá do
rio, numa ínsua, com os portucalenses, aconselhando-lhe um recuo estratégico.
Lutar é inútil, Tui seria destruída. É melhor o Bermudo e a Teresa retirarem
para Lanhoso. Isso dá-me tempo para convencer o Gelmires a romper esta tortuosa
aliança com Urraca. Eles odeiam-se, já se guerrearam, não será difícil
separá-los outra vez». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por
Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
Cortesia
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