segunda-feira, 11 de maio de 2020

Estudos sobre Erotismo no Antigo Egipto. Luís Manuel Araújo. «Na sua característica representação estaticamente itifálica, o netjer da fertilidade e fecundidade aparece com frequência nos templos de Lucsor…»

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«(…) A bissexualidade pode ser detectada noutras divindades: Manfred Lurker assinala a existência de uma representação de Mut em que a deusa tebana, esposa de Amon, surge com um tumefacto falo, e Imseti, um dos filhos de Hórus, ligado à protecção do fígado do defunto (os outros filhos de Hórus guardavam as restantes vísceras), aparece-nos como um ser andrógino, representado com a pele clara que, segundo os cânones da arte pictórica egípcia, se usava para identificar as personagens femininas. Também Hapi, personificação do Nilo, se apresentava como hermafrodita, numa pesada figura algo masculinizada exibindo alentados seios femininos que o vocacionavam para a fertilidade úbere. Como assinala John Baines, as típicas figuras de fecundidade, geralmente de conotação nilótica, encontram-se representadas na escrita hieroglífica e detectam-se praticamente em todos os sítios e em vários suportes materiais: templos, capelas funerárias, túmulos, estelas, papiros, amuletos, escaravelhos e mobiliário. Tais imagens atestam-se desde a IV dinastia até à Época Greco-romana.
Exaltando as formas da maternidade, também Amen-hotep IV (ou Amenófis IV, na versão grega), tornado Akhenaton na luta contra o poderoso clero amoniano, se fará representar, escandalosamente, em pose andrógina, reunindo no impressionante colossalismo assexuado os pólos masculino e feminino. E tudo isto em Karnak, em pleno domínio de Amon, o demiurgo, o rei dos deuses, para uma nítida afirmação do seu poder criador.

Bissexual era igualmente um primitivo deus gerador como Min, senhor de procriação, protector das pistas do deserto que conduziam ao mar Vermelho, venerado em Akhmim e Coptos. Com o seu falo permanentemente empunhado, é uma divindade copuladora, princípio de fecundação dos animais e dos humanos cujos vestígios remontam ao período pró-dinástico. Na sua característica representação estaticamente itifálica, o netjer da fertilidade e fecundidade aparece com frequência nos templos de Lucsor e Karnak, por vezes, em apelativo sincretismo, identificado com Amon (Amon-Min). Enquanto em Heliópolis (Iunu) o demiurgo Atum dava o melhor do seu esforço para, ao masturbar-se, ejacu… Chu e Tefnut, lá mais a sul, precisamente naquela zona considerada como a histórica fronteira meridional do Egipto, o ceramista Khnum, divindade de Elefantina (Abu, hoje Assuão), girava o seu torno de oleiro e ia moldando os seres, deuses e homens, no barro da terra, trabalhando a dobrar, pois esculpia os seres humanos e divinos e os respectivos kau. Também ele estava só quando, com algum esforço e não menor prazer, através do nobre gesto do trabalho criou a humanidade ao torno, simbolizando dessa forma a sua força criadora e justificando o epíteto de pai dos pais e mãe das mães, o qual, de resto, era igualmente aplicado a outras divindades demiúrgicas, como o viril Amon, de quem se dizia: comportou-se como macho com o que tinha empunhado, quando ainda não havia vulva. Já Atum, muito antes. Na preponderante Heliópolis, havia feito o mesmo». In Luís Manuel Araújo, Estudos sobre Erotismo no Antigo Egipto, Edições Colibri, 2000, ISBN 972-828-805-0.

Cortesia de EColibri/JDACT