Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Eles estavam abarrotados de
folhas de papelão que se encaixavam na medida exacta. Em cada uma delas, notei
horrorizado, havia centenas de pedaços de textos em papiro presos de qualquer
maneira ao papelão por pequenas tiras de fita adesiva transparente. Os textos
eram escritos em aramaico ou hebraico e junto a eles havia envoltórios de
múmias egípcias contendo inscrições em demótico, a forma escrita dos
hieróglifos egípcios. Eu sabia que era comum esses envoltórios trazerem textos sagrados,
e concluí que os donos desse carregamento deviam ter desenrolado, no mínimo,
uma ou duas múmias. Os textos em aramaico ou hebraico se assemelhavam, à
primeira vista, aos manuscritos do mar Morto que eu já vira antes, embora
fossem, na sua maioria, escritos em pergaminho. A colecção era um tesouro de
documentos antigos. Fiquei extremamente intrigado e cada vez mais ansioso para
dar conta da sua existência a alguns especialistas e, talvez, lhes garantir
acesso a ela.
Quando as folhas de papelão foram
retiradas dos baús, informaram-me que os proprietários pretendiam vender os
documentos a um governo europeu não revelado. O preço era de três milhões de
libras esterlinas. Os presentes queriam que eu tirasse uma série representativa
de fotos para serem mostradas ao pretenso comprador, de modo que o processo de
venda desse mais um passo em direcção a um final feliz. Então percebi que governo
era provavelmente o interessado. Mas guardei os meus pensamentos. Ao longo da
hora seguinte, conforme os baús eram esvaziados, indicavam-me algumas páginas
e, em pé numa cadeira, com a escassa luz filtrada pelos vidros foscos das
janelas, tirei fotos em preto-e-branco. No total, gastei seis rolos de filme de
35mm, mais de duzentas fotografias. No entanto, cada vez mais aumentava o meu
temor de que esses documentos simplesmente desaparecessem no limbo de onde
haviam emergido. Que fossem comprados por alguém que se sentasse em cima deles durante
muitos anos, como acontecera com os textos Nag Hammadi e os manuscritos do mar
Morto. Pior que isso: eu temia que, sem um comprador, eles simplesmente
sumissem de novo nas entranhas mais sombrias e profundas do banco, juntando-se
a outros documentos valiosos sabidamente trancados em cofres e baús no mundo.
Como tirara muitas fotos e
ninguém as tinha contado, calculei que fosse capaz de esconder, no mínimo, um
dos rolos de filme, de modo a produzir ao menos algum tipo de prova da
existência dessa colecção. Consegui colocar um deles dentro do meu bolso. Quando
a sessão de fotos se encerrou e as folhas de papelão foram recolocadas nos
baús, entreguei um punhado de filmes usados a um dos proprietários. Ele os
olhou na minha mão. Onde está o outro filme?, perguntou na mesma hora. Ele
tinha contado. Outro filme?, falei reticente, tentando passar a impressão de inocência
distraída, enquanto apalpava ostensivamente os bolsos. Ah, tem razão. Está
aqui. Mostrei o filme que acalentara a esperança de guardar para mim. Fiquei
irritado e bastante deprimido. Queria realmente ter algum tipo de prova do que
vira. Àquela altura, meu amigo percebeu o que eu pretendia e, numa manobra
inspirada, veio em meu socorro. Onde o senhor vai revelar estes filmes?,
indagou inocentemente. Numa loja de fotos, respondeu o homem segurando os
rolos. Não é muito seguro, replicou o meu amigo. Olhe, o Michael foi fotógrafo
profissional. Ele pode fazer a revelação de tantas fotos quantas forem
necessárias. Assim não haverá riscos.
Boa
ideia, concordou o homem, e me devolveu os filmes. Evidentemente, copiei um
conjunto completo de fotos para mim. Depois, combinei de encontrar o jordano,
que, aparentemente, era o responsável, para almoçar, ocasião em que lhe
entregaria as fotos e os negativos. Durante o almoço, perguntei se seria possível
mostrar os textos a alguns especialistas para serem examinados e identificados.
Talvez isso ajudasse a aumentar o valor da colecção. Pedi permissão ao jordano
para consultar alguns peritos, muito discretamente, é claro. Depois de pensar um
pouco, ele concordou que era uma boa ideia, mas deixou bem evidente que nem eu
nem os peritos poderíamos falar da colecção com ninguém mais. Vários dias
depois, levei todas as fotos ao Departamento Asiático-Ocidental do Museu
Britânico. Eu já lidara com o departamento antes, ao longo das pesquisas para
um dos meus livros, From the Omens of Babylon, e confiava no seus especialistas
não apenas para obter uma opinião honesta, como também em relação à
confidencialidade do assunto. O perito com quem eu lidara anteriormente não
estava, e um dos seus colegas veio até à ante-sala falar comigo. Contei-lhe
resumidamente a história dos baús de documentos e falei das minhas fotos.
Ressaltei que se tratava de uma empreitada comercial para os proprietários e
que eu ficaria muito grato pela sua discrição, já que grandes somas de dinheiro
costumam causar problemas igualmente grandes. Pedi que ele encontrasse alguém competente
no assunto para dar uma olhadela nas fotos e ver se eram importantes. Caso
fossem, eu faria o possível para facilitar o acesso do especialista interessado
à colecção inteira. Entreguei-lhe, então, as fotografias». In Michael Baigent, Os
Manuscritos de Jesus, Editora Nova Fronteira, 2006, ISBN 978-852-091-898-2.
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