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Nápoles.
Novembro de 1749
«(…) Desse modo, ele voltou ao nome que tinha usado em Veneza
alguns anos antes, marquês de Montferrat. Fora bastante fácil perder-se dentro
daquela cidade cosmopolita, entre seus inúmeros turistas. Muitas cidades tinham
fundado academias para abrigar o fluxo contínuo de viajantes que vinham escavar
as cidades romanas recentemente descobertas. Em pouco tempo, estava se reunindo
com intelectuais locais ou oriundos de toda a Europa, homens que partilhavam
sua mente inquisitiva. Homens como Raimondo di Sangro. Sem dúvida, uma mente
inquisitiva. Todas essas mentiras..., continuou Di Sangro, verificando sua
pistola, observando Montferrat com uma faísca de cobiça mal disfarçada no olhar.
E, no entanto, de maneira intrigante e bastante estranha, essa querida velha
dama, a condessa di Czergy, afirma que o conhecia pelo mesmo nome quando estava
em Veneza, Montferrat... Há quantos anos mesmo? Trinta? Mais? O nome atravessou
o falso marquês como uma lâmina. Ele sabe. Não, não pode saber. Mas desconfia.
Claro
que a cabeça da pobre senhora não é mais o que costumava ser. Os desgastes do
tempo alcançarão a nós todos, no final, não é mesmo?, insistiu Di Sangro. Mas,
no que diz respeito ao senhor, ela foi tão insistente, tão clara, tão resoluta
e inflexível ao dizer que não estava enganada..., que era difícil atribuir suas
palavras aos desvarios desiludidos de uma pessoa idosa. Daí, descobri que o
senhor falava árabe como um nativo. Que conhecia Constantinopla como a palma da
sua mão e que viajara por todo o Oriente, disfarçando-se, impecavelmente, foi o
que me disseram, de xeque árabe. Mistérios demais para um só homem, marquese.
Isso desafia a lógica. Ou a crença.
Montferrat estremeceu, censurando-se por ter considerado
aquele homem um espírito irmão, um aliado potencial. Por testá-lo, sondá-lo,
ainda que disfarçadamente. Sim, tinha julgado muito mal aquele homem. Mas,
pensou, talvez fosse o destino. Talvez fosse mesmo a hora de desvendar seus
segredos, hora de deixar que o mundo os conhecesse. Talvez aquele homem pudesse
encontrar um jeito nobre, magnânimo, de lidar com tudo aquilo. Os olhos de Di
Sangro se fixaram nele, estudando cada expressão de seu rosto. Ora, vamos. Tive
que sair da cama a esta hora apenas para ouvir a sua história, marquese, disse,
altivamente. E, para ser franco, não dou a mínima para quem o senhor é ou de
onde vem. Só quero saber o seu segredo. Montferrat encarou o seu inquisidor
directamente.
O senhor não quer saber isso, príncipe. Confie em mim. Isso
não é uma dádiva para homem nenhum. É uma maldição pura e simples. Uma maldição
sem trégua. Di Sangro não pareceu se comover. Porque não deixa que eu mesmo
julgue isso? Montferrat se inclinou. O senhor tem uma família, disse, com voz
vazia e distante. Uma esposa. Filhos. O rei é seu amigo. O que mais um homem
pode desejar? A resposta veio rapidamente. Mais. Do mesmo. Montferrat sacudiu a
cabeça. O senhor devia deixar as coisas como estão. Di Sangro aproximou-se do
prisioneiro. Os seus olhos brilhavam com fervor messiânico. Ouça-me bem,
marquese. Esta cidade, este desprezível menino-rei..., isso não é nada. Se o
que suspeito que o senhor sabe for verdade, podemos ser imperadores. Não
entende isso? As pessoas venderiam as suas almas por isso. O falso marquês não
duvidou disso nem por um segundo. É justamente o que me dá medo.
A respiração de Di Sangro tornou-se pesada de frustração,
enquanto ele tentava avaliar a determinação daquele homem. Baixou os olhos
quando pensou distinguir algo no peito de Montferrat que chamou sua atenção.
Inclinou-se ameaçadoramente para mais perto e estendeu-se sobre a mesa, puxando
um medalhão que pendia de uma corrente no peito do falso marquês. A mão de
Montferrat se ergueu e agarrou o pulso de Di Sangro, imobilizando-o, mas o
príncipe rapidamente engatilhou a sua pistola. Lentamente, Montferrat soltou o
braço de Di Sangro. O príncipe segurou o medalhão entre os dedos por alguns momentos
e, de repente, arrancou-o do pescoço de Montferrat, arrebentando a corrente.
Aproximou o medalhão dos olhos, examinando-o de perto. Era uma peça simples,
redonda, fundida em bronze, como uma grande moeda, com um pouco mais de dois
dedos de diâmetro. A face ostentava um único desenho, uma cobra enrolada como
um anel, cuja cabeça ficava em cima do círculo formado por seu próprio corpo. A
serpente devorava o próprio rabo». In Raymond Khoury, O Santuário Perdido,
2015, Editorial Presença, Grandes Narrativas, 2015, ISBN 978-972-234-248-3.
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