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11 de Setembro de 1683
«(…) Que o Altíssimo venha em
nosso auxílio, choramingou entretanto o padre Robleda, mas não percebi se por
causa do gesto indecoroso do vidreiro ou da situação em geral, e deixou-se cair
lívido em cima de um banco. E todos os Santos, acrescentou o poeta. Já que vim
de Nápoles para apanhar o contágio. E não haveis feito bem, rebateu o jesuíta
limpando o suor da fronte com um lenço. Bastava que tivésseis ficado na vossa
cidade, pois nela não faltam ocasiões. Pode ser que sim. A questão é que aqui,
actualmente, reina um papa bom, que julgava ter o Céu a seu favor. Contudo,
antes, é preciso ver o que pensam aqueles que estão por detrás da Porta, como se
costuma dizer, sibilou Stilone Priàso. De lábios cerrados e língua afiada, o
poeta napolitano tinha colocado numa questão que ninguém gostava de ouvir
sequer sussurrada. Havia semanas que o exército turco da Porta Sublime Otomana,
sequioso de sangue, pressionava às portas de Viena. Todas as falanges infiéis convergiam
implacavelmente (pelo menos era o que afirmavam os escassos relatórios que
chegavam até nós) em direcção à capital do Sacro Romano Império, e ameaçavam
arrombar os seus bastiões.
Os combatentes do lado cristão,
prestes a capitular, conseguiam resistir graças à força da Fé. Com escassez de
armas e mantimentos, extremados pela fome e pela disenteria, sentiam-se
sobretudo aterrorizados pelos primeiros avisos de um foco de peste. Toda a
gente sabia: se Viena caísse, os exércitos do comandante turco Kara Mustafá
teriam caminho aberto para Ocidente, invadindo-o por todos os lados com alegria
cega e terrível. Para esconjurar a ameaça, tinham-se mobilizado muitos príncipes
ilustres: o rei da Polónia, o duque Carlos de Lorena, o príncipe Maximiliano de
Baviera, Luís Guilherme de Baden e outros mais. No entanto, todos eles tinham
sido convencidos a socorrer os sitiados pelo único e verdadeiro baluarte da
Cristandade: o papa Inocêncio XI.
Com efeito, desde há muito tempo
que o Pontífice lutava incansavelmente para coligar, reunir e reforçar as milícias
cristãs. E não apenas com os meios da política, mas também através de um
precioso apoio financeiro. De Roma partiam em continuação generosas somas de
dinheiro: mais de dois milhões de escudos para o Imperador, quinhentos mil
florins para a Polónia, mais cem mil escudos doados ao sobrinho do Pontífice,
depósitos pessoais efectuados por vários cardeais e, por fim, uma generosa
recolha extraordinária de dízimas eclesiásticas de Espanha.
A Santa Missão que o Pontífice
procurava a todo o custo levar a bom termo juntava-se às inumeráveis obras pias
realizadas durante os sete anos do seu Pontificado. Antes de mais, o sucessor
de Pedro, nascido Benedetto Odescalchi havia setenta e dois anos, tinha dado
sobretudo o exemplo. Alto, magríssimo, de fronte larga e nariz aquilino, de
olhar severo, queixo saliente mas nobre e coberto por barbicha e bigode, conquistara
a fama de asceta.
De carácter fugidio e reservado, era
raro vê-lo a passar de carruagem pelas ruas da cidade, e evitava cuidadosamente
as aclamações populares. Era sabido que escolhera para si os aposentos mais
pequenos, desconfortáveis e despidos que alguma vez um Pontífice habitara, e
que quase nunca descia a passear pelos jardins do Quirinale e do Vaticano. Era
tão frugal e parcimonioso que apenas utilizava as vestes e os paramentos dos
seus predecessores. Desde a sua eleição que vestiu sempre a mesma sotana
branca, ainda que muito gasta, e só a trocou quando lhe foi observado que ao vigário
de Cristo na terra não convém uma roupa demasiado desleixada.
Mas também na administração do
património da Igreja tinha conquistado elevados méritos. Sanara as finanças da
Câmara Apostólica, que desde os tempos injuriosos de Urbano VIII e Inocêncio X sofrera
pilhagens de todo o género. Abolira o nepotismo: assim que foi eleito,
convocara o seu sobrinho Lívio, avisando-o, assim se dizia, de que não o faria cardeal,
aliás, de que o iria manter longe dos assuntos de Estado. Por outro lado,
exortara os seus súbditos à austeridade e à moderação dos costumes. Os teatros,
locais de distracção desordenada, tinham sido fechados. O carnaval, que dez
anos antes recebia admiradores de toda a Europa, estava quase morto. Festas e
entretenimentos musicais estavam reduzidos ao mínimo. Às mulheres tinha sido
proibido trazer vestidos demasiado abertos e decotados à francesa. Aliás, o Pontífice
tinha enviado patrulhas de esbirros a inspeccionar a roupa interior que
enxugava às janelas, para sequestrar corpetes e camisas demasiado ousadas». In
Monaldi & Sorti, 2002, Editorial Presença, 2004, ISBN 972-233-286-4.
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