Porto de Cádiz. 7 de Janeiro de 1748
«(…) Depois voltavam a cantar e a
dançar desenfreadamente, à espera
de que algum de seus deuses os
possuísse. Às vezes repetiam e voltavam a deixar o barracão. Não, não gostava, mas
tampouco sentia nada; haviam-lhe ido roubando os sentimentos, pedaço a pedaço,
desde a primeira noite em que o senhor a forçara. Não haveria transcorrido uma
hora quando um daqueles homens voltou e interrompeu seus pensamentos. Queres
trabalhar na minha oficina?, perguntou-lhe iluminando-a com uma candeia. Sou
oleiro. Que é um oleiro?, perguntou-se Caridad tentando vislumbrá-lo na escuridão.
Ela só queria… Tu me darás dinheiro para atravessar a ponte?, inquiriu. O homem
percebeu a dúvida no seu rosto. Vem comigo, ordenou-lhe. Isso, sim, ela
entendeu: uma ordem, como quando algum negro a segurava pelo braço e a levava
para fora do barracão. Seguiu-o em direcção à Cava Vieja. Na altura do castelo
da Inquisição (maldita), sem virar-se,
o oleiro a interrogou: Fugiste? Sou livre. Às luzes do castelo, Caridad viu que
o homem assentia com a cabeça. Tratava-se de uma pequena oficina, com habitação
no andar superior, na rua de los Alfareros. Entraram, e o homem lhe indicou um
colchão de palha num canto da oficina, junto à lenha e o forno. Caridad se
sentou nele. Amanhã começarás. Dorme.
O calor dos rescaldos do forno
embalou uma Caridad penetrada pela humidade do Guadalquivir, e ela dormiu. Desde
a época muçulmana, Triana era conhecida pelas suas manufacturas de barro
cozido, sobretudo pelos azulejos vidrados de cavidade ou relevo, nos quais os
mestres expertos afundavam uma corda no barro fresco e conseguiam desenhos magníficos.
No entanto, fazia algum tempo que aquela cerâmica artesanal havia degenerado em
peças repetitivas sem encanto, ao que se somaram a concorrência da louça de
pederneira inglesa e a mudança de gosto das pessoas, que se inclinou para a
porcelana oriental. No arrabalde, portanto, o ofício decaía. No dia seguinte,
ao amanhecer, Caridad começou a trabalhar junto ao homem da noite, um
jovenzinho que devia ser seu filho e um aprendiz que não lhe tirava os olhos de
cima. Carregou lenha, transportou argila, varreu mil vezes e ocupou-se das
cinzas do forno. Assim começaram a passar os dias. O oleiro, Caridad nunca viu
sair uma mulher do andar de cima, visitava-a durante as noites. Tenho de
atravessar a ponte para ir à igreja dos Anjos, onde estão os negrinhos, teria
querido dizer-lhe numa delas, quando o homem, depois de havê-la possuído, se preparava
para ir-se. Em vez disso, limitou-se a balbuciar: E meu dinheiro? Dinheiro!
Queres dinheiro? Comes mais do que trabalhas e tens um lugar onde dormir, respondeu-lhe
o oleiro. Que mais poderia desejar uma negra como tu? Preferes ficar na rua
pedindo esmola como a maioria dos negros livres?
Naqueles dias, a escravidão já
quase havia desaparecido de Sevilha: a crise demográfica e económica, a guerra
de 1640 com Portugal, o grande provedor de escravos do mercado sevilhano, a
peste bubónica de que a cidade padeceu alguns anos depois, que se encarniçou
nos negros escravos, junto com as constantes e numerosas manumissões que os piedosos
sevilhanos vinham ordenando nos seus testamentos, tiveram como consequência uma
significativa diminuição da escravidão. Sevilha perdeu seus escravos ao ritmo
da perda do seu poder económico. Comes mais do que trabalhas, ressoava nos
ouvidos de Caridad. A cantilena do capataz do senhor José na veiga lhe veio então
à lembrança: Não trabalhais o que comeis, recriminava-os antes de soltar o látego
nas costas de algum deles. Pouco havia mudado sua vida, de que lhe servia ser livre?»
In Ildefonso Falcones, A Rainha Descalça, 2013, Bertrand Editora, 2014, ISBN
978-972-252-815-3.
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