«O desafio de descrever como era o Concelho de Óbidos na Idade Média era, de facto, o único que me estava a faltar. Em 1987 escrevera sobre a vila de Óbidos Medieval, sobretudo no tocante às suas Estruturas Urbanas e Administração Concelhia. Dez anos mais tarde defendi na Universidade de Lisboa uma dissertação defendendo a existência de uma Região de Óbidos na Baixa Idade Média, que funcionava com base na vila régia e incorporava os concelhos medievais de Lourinhã, Atouguia, Vila Verde dos Francos e, naturalmente o Cadaval, transformado em concelho autónomo nos finais do século XIV. Faltava-me, de facto, desenhar os contornos deste grande concelho do período pós-Reconquista até finais do século XV. A área ocupada pelo Concelho de Óbidos nesta época era bastante mais extensa do que a actual. À excepção do contacto com a hoje chamada Concha de São Martinho, e do efectuado através da Lagoa de Óbidos, não tinha, porém, ligação directa ao mar. E não era fácil chegar a Salir do Porto e a Atouguia para comerciar, mas, sobretudo, convencer as autoridades financeiras e eclesiásticas, para além dos pescadores locais, a acederem ao abastecimento do concelho com o qual procuravam ter uma relação distante. O grande concelho de Óbidos conheceria a sua primeira grande cisão em 1371 com a formação do Concelho do Cadaval. Mas para além deste novo município também a geografia política periférica e interna era mais complicada do que pode parecer à primeira vista, pois escapavam à jurisdição do concelho vastas áreas florestais, fluviais e até povoações inteiras. O actual concelho do Bombarral era uma fértil área em larga medida aproveitada pelo Mosteiro de Alcobaça que, também, a Norte, guerreava com o concelho, as Rainhas e o próprio Rei pelo aproveitamento de zonas de maior fertilidade e produtividade. Nunca deixando de estar sujeito à jurisdição da Coroa do Reino de Portugal, Óbidos conheceu também a faceta de Senhorio de várias Rainhas, de todas, aliás, a partir dos finais do século XIV. Para o Rei era também um sustentáculo importante; o símbolo da autoridade unificadora real no Oeste estremenho». In Prólogo
Introdução
«Não
é tarefa fácil tentar buscar as origens do concelho de Óbidos. Aliás, se
quiséssemos levar a nossa ânsia de rigor ao extremo não aventaríamos qualquer
hipótese, nem tentaríamos apresentar qualquer data nem explicação quer para a
formação da circunscrição territorial quer para o nascimento dos principais
agregados populacionais que a compõem, tais são as dúvidas que subsistem. E
apesar de partilhar um espaço e uma História com outras povoações, nem por isso
as nossas dificuldades em fazer afirmações definitivas são menores. A atitude
mais cómoda a tomar seria sem dúvida proceder à citação pura e simples dos
grandes mestres no que ao passado muçulmano e ao período de Reconquista da
Estremadura diz respeito, apresentar - embora apenas a título de curiosidade,
algumas conjecturas lendárias acerca da tomada dos castelos e povoações
estremenhas, e aproveitar sem discussão a opinião de Ruy Azevedo que estabelece
a continuidade a nível físico e administrativo entre as sedes e territórios correspondentes
da antiga província muçulmana de Balata e os novos concelhos cristãos surgidos
na Estremadura após 1147. Segundo o reputado diplomatista e historiador, a
explicação para o fenómeno da constituição, logo nos anos subsequentes à
conquista das cidades e praças da linha do Tejo, de diversos concelhos na faixa
litoral da Estremadura, precisamente com sede em Santarém, Lisboa, Óbidos,
Torres Vedras, Alenquer e Sintra, encontrar-se-ia no facto de estas povoações
representarem, já no período anterior, os principais pontos de referência da
organização administrativa local e, presumivelmente, de agremiação humana.
Esta
opinião torna-se tanto mais atraente quanto nos fornece uma hipótese para um
facto reconhecido para o qual ainda não foi encontrada explicação segura.
Segundo Ruy Azevedo, a persistência dessas unidades e de suas divisórias
tradicionais explica-nos a falta completa de diplomas régios sobre a sua
criação e de respectivos estatutos de orgânica local e limites, expedidos nas
primeiras décadas que se seguiram à reconquista. Na realidade, diversos
historiadores têm já notado com estranheza a falta de interesse por parte dos
monarcas portugueses em atribuir prontamente forais às povoações estremenhas.
Entre a sua conquista e o reconhecimento jurídico através de uma carta de foral
decorreram quase sempre várias décadas se exceptuarmos o praticamente único
caso de Sintra, agraciado com um foral logo sete anos após a sua tomada pelo
exército cristão. Aparentemente a questão do povoamento rápido da região não
preocupava o monarca. A defesa da Estremadura não seria uma questão prioritária
em 1147, ou as condições naturais do território teriam sido suficientes para
atrair povoadores sem necessidade de outorga de privilégios adjuvantes? Ou a
explicação será antes outra?
Os
dados que possuímos para a Estremadura da segunda metade do século XII parecem
de facto comprovar que a ausência de documentos jurídicos escritos reconhecendo
as agremiações municipais não foi de modo algum desmotivadora, pois as
povoações que nomeámos e as aldeias das áreas envolventes não tardaram em
fornecer dados inequívocos de uma grande procura por parte de novos habitantes.
A multiplicação das paróquias urbanas e a construção de perímetros amuralhados
de dimensões consideráveis, parecem demonstrá-lo de forma dificilmente
contrariável. Curiosamente, talvez possamos apontar como forais precoces para
esta região dois diplomas outorgados por particulares, mas confirmados pelo
rei, destinados aos povoadores precisamente de duas póvoas litorais cujas aspereza
do terreno e demasiada proximidade do mar, talvez não fossem, na altura, muito
convidativas a quem procurava segurança e sobrevivência fáceis. Estamos a
referir-nos aos forais concedidos pelos donatários Francos da Atouguia e da
Lourinhã aos seus conterrâneos e a outros povoadores de outras nacionalidades,
ao que se pensa, pelo menos num dos casos, em 1167». In Manuela Santos Silva, O
Concelho de Óbidos na Idade Média, Faculdade Letras da Universidade de Lisboa,
Centro de História da Universidade de Lisboa, 2008, Wikipedia.
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