quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Prisioneira da Inquisição. Theresa Breslin. «Puxem ele! Puxem ele! Engasgando e tossindo, pousei na larga plataforma da popa da galé. O homem que dera a ordem se aproximou de mim. Ele era uma estranha visão…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Saulo

A chegada da Inquisição (maldita). 1490 - 1491

«(…) Curvando-me para bloquear a vista de quem estivesse vigiando de cima, cortei a parte interna do cós da calça e enfiei a faca lá dentro. Uma corda foi colocada do navio militar à galé para transferir o barril de vinho. Uma ponta de uma segunda corda foi amarrada na minha cintura e a outra ponta foi presa à primeira. Então fui jogado por cima do costado. Os tripulantes da galé me puxaram através do espaço vazio, mas eu estava fraco demais para subir pela corda até ao barco deles. O navio soltou sua ponta da corda, e eu teria sido colhido pela contracorrente, mas ouvi uma voz gritar da galé: Puxem ele! Puxem ele! Engasgando e tossindo, pousei na larga plataforma da popa da galé. O homem que dera a ordem se aproximou de mim. Ele era uma estranha visão, vestido com camisa, calções e perneiras pretas encimados por uma jaqueta justa azul-pavão com três-quartos de comprimento, bordada abundantemente com fios de prata. Usava um chapéu extravagante, de um tipo que eu nunca tinha visto, preto, com uma pena roxa e mais esmerado do que os usados por pantomimos e actores que fazem representações teatrais em praças nas épocas do Natal e da Páscoa. Fivelas reluziam em seus sapatos, enquanto uma agitação de rendados espumava nos punhos e pescoço. Uma argola de ouro pendia de uma orelha, e, em seu rosto bronzeado, ele deixara crescer um bigode e um minúsculo cavanhaque. Pelas roupas e modos, vi que era o capitão. Curvou-se sobre mim e alisou meu cabelo. Virei bruscamente a cabeça para o lado e enfiei os dentes na sua mão, consequentemente, ele me atingiu com a bengala de bambu que carregava. Recuei para o canto como um animal selvagem. O capitão da galé chupou o local da mordida, mas longe de ficar irritado com meu ataque, ele fez um gesto de aprovação com a cabeça.

Gosto de um jovem com coragem, declarou. Isso significa que será útil numa batalha e capaz de evitar problemas para nossos próprios remadores. Está esquelético demais para pegar imediatamente num remo, mas se fortalecerá para isso se o alimentarmos. Permaneci onde estava pelo resto do dia, agachado no canto. Naquela noite, ancoramos em águas rasas ao largo de uma ilha para que os remadores pudessem descansar e comer. O capitão me deu um pedaço da cabra que assava num braseiro montado no convés, dentro de uma fornalha de ferro usada para cozinhar alimentos. Comi avidamente. Haviam-se passado semanas, talvez meses, desde que eu comera carne pela última vez. O capitão deu uma risadinha enquanto me observava devorar a comida. Calma, rapaz. Não parece ter tido uma refeição decente em toda a sua vida. Entupir-se assim tão rápido só vai causar-lhe dor de barriga.

Ele tinha razão. Uma hora depois, eu estava curvado por causa das cólicas, depois que a comida, de um tipo que eu não estava acostumado, seguiu seu caminho pelas minhas entranhas. Para minha surpresa, alguns dos remadores vieram examinar-me. Eu havia imaginado que eles estivessem acorrentados aos seus bancos, mas apenas um pequeno número, oito no total, era de escravos ou criminosos aprisionados daquela maneira. O resto, mais de vinte homens livres, tinha decidido fazer aquele trabalho. Descobri que homens de vários países se tornavam remadores de galés por opção. Esse era considerado um trabalho que requeria habilidade, embora árduo, mas o pagamento e os lucros podiam ser bem recompensadores: além do salário básico, o remador recebia uma percentagem do lucro obtido pela carga e de qualquer butim que surgisse no seu caminho. Nessa galé em particular, sob o comando do capitão Cosimo Gastone, a comida era nutritiva: carne, peixe ou ave, com bastante pão, queijos fortes e frutas e mel engolidos com vinho. Os remadores eram excepcionalmente bem alimentados, pois o capitão achava que deviam manter-se no melhor da sua forma. Eu iria descobrir, do modo mais brutal, que nossas próprias vidas dependiam da aptidão dos remadores». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Editora Galera Record, 2014, ISBN 978-850-113-940-0.

Cortesia de EGaleraR/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Século XV, Religião,