Feynman foi de facto um grande
professor, talvez o maior de sua era e da nossa. Para ele, o auditório era um
teatro e o palestrante, um actor, responsável por oferecer à plateia tanto
drama e arrebatamento quanto factos e números. Andando de lá para cá diante da
classe, os braços agitados, ele era a combinação impossível do físico teórico e
do pregoeiro circense, todo movimento corporal e efeitos sonoros, escreveu The New York Times. Quer se
dirigisse a uma plateia de estudantes e colegas, quer ao público em geral, o facto
é que para os bastante afortunados em assistir em pessoa a uma das suas
palestras a experiência costumava ser nada convencional e sempre inesquecível, como
o próprio homem. Feynman era o mestre da grande arte dramática, especialista em
prender a atenção do público de qualquer auditório. Muitos anos atrás, ele
ministrou um curso sobre mecânica quântica avançada para uma ampla classe
composta de uns poucos estudantes de pós-graduação inscritos e, na maior parte,
de professores de física do Caltech. Durante uma palestra, ele se pôs a
explicar como representar certas integrais complexas diagramaticamente: tempo
neste eixo, espaço naquele, linha ondulada para esta linha recta, etc. Após descrever
o que o mundo da física conhece como diagrama de Feynman, voltou-se para
a classe e, sorrindo maliciosamente, anunciou: E isto aqui é chamado O diagrama! Feynman chegara ao
desfecho, e o auditório prorrompeu em aplausos espontâneos. Por muitos anos
depois de proferidas as palestras que redundaram neste livro, Feynman actuou
ocasionalmente como conferencista convidado do curso de introdução à física do
Caltech. Naturalmente, afim de que houvesse lugar no auditório para os
estudantes inscritos, suas aparições tinham de ser mantidas em sigilo. Em uma
dessas palestras, o tema era o espaço-tempo curvo, e Feynman foi
caracteristicamente brilhante. Mas o momento mais inesquecível se deu no início
da conferência: a supernova de 1987 acabara de ser descoberta, e por conta
disso Feynman mostrava enorme entusiasmo. Disse ele: Tycho Brahe teve sua
supernova, e Kepler, a sua. Depois disso, não houve outra por 400 anos. Mas
agora tenho a minha. A plateia silenciou, e ele prosseguiu: Existem 1011 estrelas
na galáxia. Isso costumava ser um número imenso. Mas são apenas cem milhões.
Menos do que o defi cit nacional!
Costumávamos chamá-los de números astronómicos. Agora deveríamos chamá-los de
números económicos. A classe caiu na gargalhada, e Feynman, tendo cativado a
audiência, seguiu em frente com a sua palestra. Dotes dramáticos à parte, a
técnica pedagógica de Feynman era simples. Um resumo da sua filosofia de ensino
foi encontrado entre seus papéis nos arquivos do Caltech, numa nota que rabiscara
para si mesmo quando da sua estada no Brasil, em 1952: Em primeiro lugar,
descubra porque quer que os alunos aprendam o tema e o que quer que saibam, e o
método resultará mais ou menos por senso comum.
O que vinha para Feynman por senso
comum geralmente eram brilhantes reviravoltas que captavam com perfeição a
essência do seu argumento. Certa vez, durante uma palestra pública, tentava
explicar porque não se deve verificar uma ideia utilizando os mesmos dados que
a sugeriram originalmente. Parecendo desviar-se do tema, Feynman começou a
falar sobre placas de automóvel. Sabem, esta noite me aconteceu a coisa mais
incrível. Estava vindo para cá, a caminho da palestra, e entrei no
estacionamento. Não vão acreditar no que aconteceu. Vi um carro com a placa ARW
357. Podem imaginar? De todas as milhões de placas do Estado, qual era a chance
que eu tinha de encontrar justamente essa placa esta noite? Incrível! Um ponto
que muitos cientistas são incapazes de captar era esclarecido mediante o
notável senso comum de Feynman. Nos 35 anos em que esteve no Caltech (de 1952 a
1987), Feynman actuou como professor de 34 cursos. Vinte e cinco deles eram
cursos de pós-graduação avançados, estritamente limitados a estudantes de
pós-graduação, a menos que alunos de graduação pedissem permissão para frequentá-los
(o que não raro faziam, e a permissão quase sempre era concedida). O restante
eram sobretudo cursos introdutórios de pós-graduação.
Apenas uma vez Feynman ministrou
cursos exclusivamente para alunos de graduação, e isso foi na célebre ocasião,
nos anos 1961-1962 e 1962-1963, com uma breve reprise em 1964, em que proferiu
as palestras que se tornariam As
Lições de Física de Feynman. Na
época, havia um consenso no Caltech de que os caloiros e os segundanistas estavam
sendo desestimulados, em vez de incentivados, pelos dois anos de física
compulsória. Para remediar a situação, solicitaram a Feynman que planeasse uma
série de palestras a serem ministradas aos estudantes no decorrer de dois anos,
primeiro a caloiros e depois à mesma classe no segundo ano. Tão logo ele
concordou, decidiu-se imediatamente que as palestras deveriam ser transcritas
para publicação. A tarefa, contudo, resultou bem mais difícil do que qualquer
um imaginara. Transformar as conferências em livros publicáveis exigia um
tremendo volume de trabalho por parte dos seus colegas, assim como do próprio
Feynman, que realizou a revisão final de cada capítulo. Além disso, era preciso
lidar com os aspectos práticos de ministrar um curso. Essa tarefa era altamente
complicada pelo facto de que Feynman tinha apenas um vago esboço do que queria
abordar. Como resultado, ninguém sabia o que ele iria dizer até que estivesse
diante do auditório abarrotado de estudantes e o dissesse. Os professores do Caltech
que o auxiliavam dariam então o melhor de si para tratar de detalhes
rotineiros, como elaborar problemas para trabalhos de casa». In Richard
P. Feynman, 1963, The Feynman Lectures on Physics, Lições de Física de Feynman, Robert
B. Leighton, Matthew Sands, tradução Adriana V. Roque Silva, Kaline Rabelo Coutinho,
2008, ABDR, Bookman, 2008, ISBN 978-857-780-321-7.
Cortesia de ABDR/Bookman/JDACT
JDACT, Richard P. Feynman, Ciência, Física, Cultura e Conhecimento, O Saber, Nobel,