2019
«(…) Supõe-se que tenha havido
longos debates entre o bispo Maurício e seu mestre de obras, nos quais o bispo
explicava seu desejo, uma igreja moderna e bem iluminada, e o mestre buscava
formas de concretizar esse sonho. Mesmo assim, ambos estavam cientes de que, ao
longo dos anos, à medida que a obra avançasse, o projecto seria modificado pelo
surgimento de novas ideias e pela participação de novas pessoas. A altura projectada
para a construção pode ter sido um tema importante dessas reuniões. Segundo o
historiador Jean Gimpel, no livro Les Bâtisseurs de cathédrales (Os construtores
de catedrais), toda a cidade queria que a sua fosse a igreja mais alta:
A jovem sociedade medieval representada pela
burguesia, no seu entusiasmo, foi tomada pela moda do recorde mundial e fez as
naves descolarem em direção aos céus.
A nave da Notre-Dame foi projectada
com 33 metros de altura, a mais alta do mundo (embora não por muito tempo:
seria ultrapassada pela de Chartres alguns anos depois). Enquanto isso, a
antiga catedral vinha abaixo. Mas os materiais não foram descartados. As pedras
em melhor condição foram empilhadas para formar as fundações da nova igreja. Até
mesmo os escombros foram aproveitados, porque a parede de uma catedral medieval
é uma sanduíche de duas camadas de pedra lapidada, com um recheio de entulho. Foi
preciso encomendar mais pedra. Não o famoso calcaire lutécien de tom cinza-creme usado no Louvre, no Hotel
des Invalides, nas casas dos milionários da indústria cinematográfica em
Hollywood e nas lojas Giorgio Armani ao redor do mundo. Ele só seria descoberto
no século XVII e vem de pedreiras situadas 40 quilómetros ao norte de Paris, em
Oise. Na Idade Média, o custo do transporte de pedras podia ser proibitivo. Na
Notre-Dame foi utilizado calcário de diversas pedreiras mais próximas, não
muito além dos limites da cidade. O mestre organizava as pedras de acordo com
suas características: as mais duras eram usadas para os suportes estruturais,
que precisavam sustentar um peso enorme; as macias, que podiam ser esculpidas
com mais facilidade, eram reservadas para os detalhes decorativos, que não suportavam
carga. Uma vez finalizado o projecto, os operários precisavam de um sistema de
medidas afinado. Uma jarda, uma libra e um galão não tinham os mesmos valores
em todos os lugares. Cada canteiro de obras tinha a sua própria régua, uma
barra de ferro que determinava para todos os operários a medida exacta de uma
determinada unidade.
Àquela
altura, Paris devia ter suas próprias medidas padronizadas, que ficavam à
mostra na região do cais, junto à margem direita do Sena. Paris já era uma
cidade comercial, provavelmente a maior da Europa, e era essencial que uma
jarda de tecido, uma libra de prata ou um galão de vinho representassem a mesma
medida em todas as lojas da cidade, para que os clientes soubessem o que
estavam comprando. (Sem dúvida também havia comerciantes que se queixavam do
excesso de regulamentação governamental!) Portanto, é provável que o mestre de obras
da Notre-Dame tenha estabelecido sua régua de acordo com as medidas utilizadas
pelos comerciantes parisienses. Com um projecto desenhado no piso e uma régua
na mão, o mestre de obras traçou as linhas da catedral no chão onde ficava a
antiga igreja e a construção pôde ter início. De repente, Paris precisava de
mais artesãos e operários, principalmente pedreiros, carpinteiros e fabricantes
de argamassa. Havia alguns na cidade, mas não eram suficientes para aquele
ambicioso novo projecto. No entanto, os trabalhadores que actuavam na construção
de catedrais eram nómadas, viajando de cidade em cidade por toda a Europa em
busca de trabalho e, dessa forma, propagando inovações técnicas e estéticas». In
Ken Follett, Notre Dame, 2019, Editorial Presença, 2019, ISBN
978-972-236-453-9.
Cortesia de EPresença/JDACT
Ken Follett, Literatura, Paris, JDACT,