Monte Giordano
«(…) E César sabia que, quando o
rosto do pai assumia aquela expressão, nada havia a fazer. Ele tinha de obedecer.
Muito em breve, disse Roderigo a César, deixará esta casa. Irá para a
universidade. Lá, meu filho, terá muita liberdade; mas primeiro quero que
aprenda a agir como um nobre, e embora haja, aqui, uma disciplina como nunca
viu antes, isso é necessário para torna-lo digno daquilo que virá a ser. Tenha
paciência. É só por pouco tempo. E César se acalmara. O chefe da casa de Orsini
era Virgínio, um dos grandes soldados da Itália, e quando ele estava em Monte
Giordano o palácio parecia um acampamento militar. Virgínio berrava ordens para
todos, e os criados e as aias corriam de um lado para o outro, com medo de
desagradarem ao grande comandante. Por estranho que parecesse, César, que
ansiava tanto por ser um soldado, não fazia observações àquele comando rígido;
e pela primeira vez na vida Lucrécia viu o irmão pronto a aceitar a vontade de um
terceiro. César cavalgava atrás de Virgínio, teso como um soldado, e Virgínio
muitas vezes o observava e fazia o máximo para esconder o sorriso de aprovação
que lhe assomava aos lábios. Ficava olhando César, nu da cintura para cima,
aprendendo a lutar com alguns dos melhores professores de toda a Itália; o
menino saía-se muito bem. Aquele menino para a Igreja!, disse Virgínio a
Adriana e a Ludovico, marido dela. Ele nasceu para a carreira militar. Adriana
respondeu: As carreiras na Igreja, meu caro Virgínio, trazem mais vantagens
para um homem do que as da área militar.
É uma tragédia fazer dele um
prelado. O que é que Roderigo Bórgia está pensando? No futuro dele..., e no
futuro dos Bórgia. Eu lhe digo que aquele menino está destinado a ser papa. Pelo
menos é isso que Roderigo Bórgia pretende fazer dele. Virgínio praguejava como os
seus soldados e dava ao menino tarefas mais árduas, berrava com ele, maltratava-o,
e César não reclamava. Ele sonhava ser um grande soldado. Virgínio aprovava os
seus sonhos, e chegou até a querer que o menino fosse seu filho. Assim, aquele
ano ficou tolerável para César e a índole de Lucrécia era tal que, ao ver o
irmão conformado, ela também se conformava.
Mas quando chegou o fim do ano César
já deixara o palácio Orsini e fora para Perugia, e Lucrécia chorava amargamente
na sua solidão. Então, de repente, ela começou a perceber que com César ausente
ela desfrutava de uma certa liberdade, de uma certa falta de tensão; descobriu
que podia começar a pensar no que acontecia com ela sem levar César em
consideração. Lucrécia estava crescendo, e a sua educação religiosa não podia
ser negligenciada, já que formava a base da educação de todas as moças
italianas de berço nobre. A maioria ia para um convento, mas Roderigo tivera
muitos pensamentos aflitos sobre isso, porque o comportamento em conventos nem sempre
estava acima de qualquer censura e ele estava decidido a proteger a sua Lucrécia.
Era verdade que os Colonna enviavam as filhas para San Silvestre em Capite, e
ele acreditava que os conventos de Santa Maria Nuova e San Sisto eram
igualmente recomendáveis; por isso, decidiu que seria para o de San Sisto, na
ViaÁpia, que Lucrécia deveria ir para receber a educação religiosa. Mas ela
deveria ficar lá apenas por curtos períodos de tempo, e voltava com frequência
para Monte Giordano, onde recebia aulas de línguas, espanhol, grego e latim, e
também de pintura, música e finos trabalhos de agulha.
Não era necessário,
salientara Roderigo a Adriana, que sua filhinha se tornasse uma virago (termo que
na época significava apenas uma mulher erudita). Desejava que a sua Lucrécia
fosse altamente instruída, a fim de que pudesse ser uma companheira digna para
ele próprio. Era vital que ela recebesse aulas de postura, para que adquirisse
os ares e as graças de uma mulher nobre e fosse capaz de assumir o seu lugar
entre reis e princesas; ele queria que ela fosse modesta no comportamento. Sua
serenidade de carácter lhe dava uma encantadora graciosidade que era aparente
até mesmo aos sete anos de idade, quando começou esse curso de preparação; isso
Roderigo queria que fosse preservado porque, à medida que via sua filhinha
ficar cada dia mais bonita, se tornava cada vez mais ambicioso em relação a
ela. As freiras de San Sisto aprenderam rapidamente a amar sua pequena pupila,
não apenas por sua aparência agradável e suas maneiras encantadoras, mas devido
àquele forte desejo de agradar a todos e ser amiga; e talvez também elas se
lembrassem de que corriam boatos de que ela era, na verdade, filha do grande
Roderigo Bórgia, o mais rico dos cardeais e aquele que, segundo se dizia nas
altas rodas, tinha todas as chances de vir a ser papa». In Jean
Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN
978-850-104-410-5.
Cortesia
de ERecord/JDACT
JDACT, Jean Plaidy, Itália, Literatura,