segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Lucrécia Borgia. Jean Plaidy. «Lucrécia sentiu uma ponta de inveja. Todos estariam dizendo: essa Giulia Farnese é mais bonita do que Lucrécia. A jovem ajoelhou-se diante de Adriana e chamou-a de mãe…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Monte Giordano

«(…) Orsino estava de pé ao lado de sua mãe. Adriana falara seriamente com ele sobre o seu dever, e o pobre Orsino estava mais pálido do que nunca no seu traje preto espanhol, e não parecia nada um futuro marido; seu estrabismo estava mais aflitivo do que nunca; nos momentos de tensão, ele sempre parecia mais pronunciado, e o frio olhar de sua mãe estava sempre repreendendo-o. Lucrécia também estava de preto, mas no seu vestido havia bordados em ouro e prata. Ela preferia que nem sempre eles tivessem de seguir os costumes espanhóis. Os espanhóis gostavam muito do preto para todas as ocasiões cerimoniosas, e Lucrécia adorava o escarlate vivo e em especial o tom de azul-escuro que fazia com que os seus cabelos parecessem mais dourados do que nunca. Mas o preto fazia um belo contraste com os seus olhos claros e seus cabelos louros, de modo que quanto a isso ela se achava afortunada. E enquanto ela esperava, Giulia Farnese entrou no salão. O irmão, Alessandro, um jovem de seus vinte anos, a levara. Ele era orgulhoso, tinha uma aparência distinta, e estava esplendidamente vestido; mas foi Giulia que atraiu a atenção de Lucrécia e de todos os que estavam ali reunidos, porque era bonita, e seus cabelos eram tão dourados quanto os de Lucrécia. Estava vestida à moda italiana, numa túnica azul e dourada, e parecia uma princesa de uma lenda e bonita demais para aquele clã sombrio dos Orsini.

Lucrécia sentiu uma ponta de inveja. Todos estariam dizendo: essa Giulia Farnese é mais bonita do que Lucrécia. A jovem ajoelhou-se diante de Adriana e chamou-a de mãe. Quando Orsino foi empurrado para a frente, ele caminhou desajeitadamente e foi titubeante e sem graça na saudação que fez. Lucrécia observou o adorável rosto à procura de um sinal da repulsa que sem dúvida a jovem devia estar sentindo, e esqueceu-se da inveja ao ter pena de Giulia. Mas Giulia não demonstrou emoção alguma. Foi recatada e graciosa, tudo o que se esperava dela. As duas ficaram amigas logo. Giulia era vivaz, bem-informada, e muito pronta a prestar atenção a Lucrécia quando não havia homens por perto. Giulia disse a Lucrécia que estava com quase quinze anos. Lucrécia ainda não completara dez; e aqueles anos a mais davam a Giulia uma grande vantagem. Ela era mais frívola do que Lucrécia e não estava tão disposta a aprender, nem tão ansiosa por agradar. Quando ficaram a sós, ela disse a Lucrécia que achava a senhora Adriana muito rigorosa e solene. A senhora Adriana é uma mulher muito boa, insistiu Lucrécia. Eu não gosto de mulheres boas, disse Giulia, soltando uma gargalhada. Será que é porque elas fazem com que todas nós nos sintamos muito más?, sugeriu Lucrécia. Eu prefiro ser má do que boa, disse Giulia, com uma risada. Lucrécia voltou a cabeça para trás e olhou por cima do ombro para a imagem da Virgem com o Menino Jesus, à frente da qual havia uma lamparina acesa. Oh, disse Giulia, rindo, há muito tempo para se arrepender. O arrependimento é para gente velha.

Há algumas freiras jovens no convento de San Sisto, disse Lucrécia. Aquilo fez com que Giulia soltasse uma gargalhada. Eu não fui feita para ser freira. Nem você. Ora, olhe para você! Veja como é bonita..., e vai ficar ainda mais bonita. Espere até ter a idade que eu tenho. Talvez então, Lucrécia, você fique tão bonita quanto eu e vá ter amantes, muitos amantes. Era desse tipo de conversa que Lucrécia gostava. Trazia ecos de um passado de que ela não conseguia lembrar-se. Fazia quatro anos desde que ela deixara a animação da casa de sua mãe para ir para a rígida etiqueta e a depressão espanhola de Monte Giordano. Giulia mostrou a Lucrécia como caminhar com um andar sedutor, como dar brilho aos lábios e como dançar. Giulia possuía conhecimentos secretos e permitia que Lucrécia a provocasse para revelá-los.

Lucrécia estava um tanto preocupada com Giulia; tinha medo de que se Adriana descobrisse o que ela era na realidade a mandasse embora e ela, Lucrécia, perdesse aquela emocionante companheira. Elas não deviam deixar que Adriana visse o carmim nos seus lábios. Não deviam aparecer a ela com os cabelos soltos no penteado que Giulia arrumara. Giulia nunca deveria usar nenhum dos vestidos estonteantes mas ousados que trouxera consigo. Giulia soltava risadinhas e tentava ficar cerimoniosa diante da sogra em perspectiva. Orsino nunca as perturbava, e Lucrécia percebeu que ele parecia ter mais medo da noiva do que a noiva dele. Giulia tinha uma natureza radiosa; disse a Lucrécia que saberia como lidar com Orsino quando chegasse a hora. Estava claro que todos os vestidos bem-decotados, a atenção à aparência que parecia absorver Giulia, não eram para Orsino. Lucrécia achava que Giulia devia ser muito depravada. Mas eu acredito, dizia ela para si mesma, que gosto mais de gente depravada do que de gente bem-comportada. Eu ficaria desolada se Giulia fosse embora, mas não me importaria muito se a senhora Adriana fosse». In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.

 

Cortesia de ERecord/JDACT

 

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