Monte Giordano
«(…) Orsino estava de pé ao lado
de sua mãe. Adriana falara seriamente com ele sobre o seu dever, e o pobre
Orsino estava mais pálido do que nunca no seu traje preto espanhol, e não
parecia nada um futuro marido; seu estrabismo estava mais aflitivo do que
nunca; nos momentos de tensão, ele sempre parecia mais pronunciado, e o frio
olhar de sua mãe estava sempre repreendendo-o. Lucrécia também estava de preto,
mas no seu vestido havia bordados em ouro e prata. Ela preferia que nem sempre
eles tivessem de seguir os costumes espanhóis. Os espanhóis gostavam muito do
preto para todas as ocasiões cerimoniosas, e Lucrécia adorava o escarlate vivo
e em especial o tom de azul-escuro que fazia com que os seus cabelos parecessem
mais dourados do que nunca. Mas o preto fazia um belo contraste com os seus
olhos claros e seus cabelos louros, de modo que quanto a isso ela se achava afortunada.
E enquanto ela esperava, Giulia Farnese entrou no salão. O irmão, Alessandro,
um jovem de seus vinte anos, a levara. Ele era orgulhoso, tinha uma aparência
distinta, e estava esplendidamente vestido; mas foi Giulia que atraiu a atenção
de Lucrécia e de todos os que estavam ali reunidos, porque era bonita, e seus
cabelos eram tão dourados quanto os de Lucrécia. Estava vestida à moda
italiana, numa túnica azul e dourada, e parecia uma princesa de uma lenda e
bonita demais para aquele clã sombrio dos Orsini.
Lucrécia sentiu uma ponta de
inveja. Todos estariam dizendo: essa Giulia Farnese é mais bonita do que
Lucrécia. A jovem ajoelhou-se diante de Adriana e chamou-a de mãe. Quando
Orsino foi empurrado para a frente, ele caminhou desajeitadamente e foi
titubeante e sem graça na saudação que fez. Lucrécia observou o adorável rosto
à procura de um sinal da repulsa que sem dúvida a jovem devia estar sentindo, e
esqueceu-se da inveja ao ter pena de Giulia. Mas Giulia não demonstrou emoção
alguma. Foi recatada e graciosa, tudo o que se esperava dela. As duas ficaram
amigas logo. Giulia era vivaz, bem-informada, e muito pronta a prestar atenção
a Lucrécia quando não havia homens por perto. Giulia disse a Lucrécia que estava
com quase quinze anos. Lucrécia ainda não completara dez; e aqueles anos a mais
davam a Giulia uma grande vantagem. Ela era mais frívola do que Lucrécia e não estava
tão disposta a aprender, nem tão ansiosa por agradar. Quando ficaram a sós, ela
disse a Lucrécia que achava a senhora Adriana muito rigorosa e solene. A
senhora Adriana é uma mulher muito boa, insistiu Lucrécia. Eu não gosto de
mulheres boas, disse Giulia, soltando uma gargalhada. Será que é porque elas
fazem com que todas nós nos sintamos muito más?, sugeriu Lucrécia. Eu prefiro
ser má do que boa, disse Giulia, com uma risada. Lucrécia voltou a cabeça para
trás e olhou por cima do ombro para a imagem da Virgem com o Menino Jesus, à
frente da qual havia uma lamparina acesa. Oh, disse Giulia, rindo, há muito
tempo para se arrepender. O arrependimento é para gente velha.
Há algumas freiras jovens no
convento de San Sisto, disse Lucrécia. Aquilo fez com que Giulia soltasse uma
gargalhada. Eu não fui feita para ser freira. Nem você. Ora, olhe para você!
Veja como é bonita..., e vai ficar ainda mais bonita. Espere até ter a idade
que eu tenho. Talvez então, Lucrécia, você fique tão bonita quanto eu e vá ter
amantes, muitos amantes. Era desse tipo de conversa que Lucrécia gostava.
Trazia ecos de um passado de que ela não conseguia lembrar-se. Fazia quatro
anos desde que ela deixara a animação da casa de sua mãe para ir para a rígida
etiqueta e a depressão espanhola de Monte Giordano. Giulia mostrou a Lucrécia
como caminhar com um andar sedutor, como dar brilho aos lábios e como dançar.
Giulia possuía conhecimentos secretos e permitia que Lucrécia a provocasse para
revelá-los.
Lucrécia estava um tanto
preocupada com Giulia; tinha medo de que se Adriana descobrisse o que ela era
na realidade a mandasse embora e ela, Lucrécia, perdesse aquela emocionante
companheira. Elas não deviam deixar que Adriana visse o carmim nos seus lábios.
Não deviam aparecer a ela com os cabelos soltos no penteado que Giulia
arrumara. Giulia nunca deveria usar nenhum dos vestidos estonteantes mas
ousados que trouxera consigo. Giulia soltava risadinhas e tentava ficar
cerimoniosa diante da sogra em perspectiva. Orsino nunca as perturbava, e
Lucrécia percebeu que ele parecia ter mais medo da noiva do que a noiva dele. Giulia
tinha uma natureza radiosa; disse a Lucrécia que saberia como lidar com Orsino
quando chegasse a hora. Estava claro que todos os vestidos bem-decotados, a
atenção à aparência que parecia absorver Giulia, não eram para Orsino. Lucrécia
achava que Giulia devia ser muito depravada. Mas eu acredito, dizia ela para si
mesma, que gosto mais de gente depravada do que de gente bem-comportada. Eu
ficaria desolada se Giulia fosse embora, mas não me importaria muito se a
senhora Adriana fosse». In Jean
Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN
978-850-104-410-5.
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Jean Plaidy, Itália, Literatura,