«(…) A resistência, ou o desmazelo administrativo do sector das
finanças públicas, levou o governo de Lisboa a considerar, em 1631, o erário régio completamente
empenhado, incapaz de suprir um financiamento pontual destinado à recuperação
de Pernambuco. Diogo Soares, porém, descobriu que não era bem assim: não só
havia possibilidade de conseguir dinheiro imediato destinado ao socorro do
Brasil, através de uma melhor cobrança de certas dívidas do Estado, como
existiam avultados efeitos livres de consignações, o que permitia situar em
Portugal uma renda anual de 500000 cruzados. Destes ingressos não havia notícia
ou, o que significava o mesmo, o conhecimento deles era tão confuso que Madrid
não podia contar com eles. Difícil, porém, seria cobrá-los através de
organismos institucionalizados em Portugal, dada a oposição à pressão fiscal,
bem acentuada a partir da crise de 1627-1628. O mérito de Diogo Soares
consistiu precisamente em alvitrar fontes de receita que pudessem ser
arrecadadas independentemente da obstrução dos populares, sem respecto ao
governo, tribunal ou pessoa particular. Para o efeito propôs uma Junta da
Fazenda, havendo-lhe sido concedida a faculdade, pelo conhecimento que tinha da
matéria, de apresentar os seus membros. À Junta incumbia, para além da cobrança
dos efeitos que lhe estavam consignados, a preparação da armada a enviar a
Pernambuco, dado que havia pouco que fiar
dos ministros encarregados do apresto das naus: a cobrança das receitas
implicava o controlo da sua aplicação. A presidência da Junta foi confiada ao
conde de Castelo Novo, homem da confiança política da Corte e com experiência
quanto ao despacho dos navios da Índia, dado o lugar que ocupava na direcção da
Companhia do Comércio da Índia. Castelo Novo, que tinha por inimigos os da
parcialidade, aceitou o lugar, mas impondo condições que Madrid não regateou:
fazer parte do governo a fim de melhor poder executar o que fosse conveniente,
dado que tinha de obrar com ministros que
le encuentran las cosas que asta ora corren por su mano; obter em Madrid,
depois de sangrar o País, um lugar que não ficasse dependente dos inimigos que
forçosamente iria granjear; mercês para si e filhos. Para secretário foi
proposto e nomeado Miguel Vasconcelos Brito, persona inteligente y confidente y que dará buena cuenta de los negócios
que alli se tractaren, sendo os restantes membros igualmente afectos ao
governo de Madrid.
O regimento outorgado à Junta da Fazenda conferiu-lhe jurisdição
necessária ao desempenho das suas funções, incluindo a penal, independente das
instituições portuguesas. Os assuntos que lhe diziam respeito caminhavam para
Madrid através de uma única via, a de Diogo Soares, o qual passou a controlar a
fazenda pública portuguesa, sendo incumbido pelo monarca de orçamentá-la y averiguar lo en que se á convertido la
hazienda real de diez años a esta parte. A criação de semelhante órgão não
podia deixar de sustentar em Portugal uma dupla oposição: a da própria natureza
do seu objectivo, uma maior rapina fiscal através da colecta de verbas que
feriam interesses diversos, alguns deles muito explosivos, e a que lhe adivinha
da jurisdição, gerindo assuntos portugueses independentemente das autoridades
nacionais. A contestação ao exercício da sua actividade manifestou-se, na
verdade, tanto na cobrança dos efectos prontos
como nos da renda fixa e preparação da armada de socorro do Brasil. A Junta
tinha jurisdição autónoma. Mas não lhe era possível, por exemplo, proceder à
arrecadação, cobrança executiva ou manejo de algumas quantias que considerava
pertencer-lhe sem o apoio de não colaboracionistas do regime. Eram-lhe
necessários, por exemplo, os processos relativos às dívidas da fazenda régia
que diversas entidades tinham em seu poder, como o regedor da Casa da Suplicação,
mas que se recusaram a entregar-lhos sem expressa ordem régia. E a mesma
resistência dilatória oferecia o meirinho-mor, conde de Sabugal, ou o próprio
governo ao levantar dúvidas quanto à presença entre si do conde de Castelo
Novo, ao ignorar o regimento da Junta ou mesmo proibindo, como determinou o
próprio conde de Basto, no momento voltado para os populares, que lhe fossem
entregues pelo tesoureiro-mor 30000 cruzados por conta dos efeitos que lhe
pertenciam. Atitude que Madrid não deixou de estranhar: o conde devia ayudar a este negocio en la misma
forma que denantes lo hazia, porque nó mudó de sustância y concurren las mismas
razones». In António de Oliveira, O Instituto, Auro Pretiosior, Universidade de
Coimbra, Revista Científica e Literária, Coimbra Editora Limitada, volumes 140/141,
Coimbra, 1980/1981.
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