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Gilka Machado foi a
maior figura feminina de nosso Simbolismo, em cuja ortodoxia se encaixa com
seus dois livros capitais, Cristais Partidos e Estados de Alma. Nem sua ousadia
tinha impureza, mas punha à mostra a riqueza dos seus sentidos, especialmente
de um pouco explorado em poesia, o tacto. Sua sensibilidade é requintada, algo
excêntrica, mas profundamente feminina. Se é intensiva a experiência de Gilka
Machado, como poetisa e mulher reivindicadora, há outras barreiras a vencer
entre a militância poética e a militância doméstica. Havia uma distância, na
sua época, entre o campo da sacralidade da arte e certos aspectos da vida rotineira,
que o simbolismo intensifica, o modernismo desenvolve e autoras mais contemporâneas,
como Adélia Prado, consumam. Gilka Machado, a viúva do poeta Rodolfo Machado, a
mulher dona de pensão que cozinhava para tantos poetas de sua época, como Tasso
Silveira e Andrade Muricy, por exemplo, enquanto fazia poesia, esta ainda
habita os porões do cenário poético. Já fizera emergir dos porões, no entanto,
um dos monstros proibidos: o modo de representação da ansiedade erótica que
delineia um projecto novo ou um novo jeito de querer ser mais mulher; e que
justifica, penso eu, o considerar a poesia de Gilka Machado como precursora na
luta pelos direitos de acesso à representação do prazer erótico na poesia
feminina brasileira.
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Alegria de Amar
«Alegria de amar
anseio de apertar
nos meus braços o
mar,
de desfolhar
as rosas com meus
beijos!...
Alegria de amar
desejo de, num
grito,
ascender,
ascender,
para o azul do
infinito
e espreguiçar-me
pelas curvas de
éter!...
Alegria de amar
vontade de escrever
nos longes do ar,
para que de onde
estás
pudesses lê-las,
estas estrofes,
mas com o fogo das
estrelas!
Alegria de amar,
inquietação
que tento em vão
refrear,
volúpia
que em meus membros
tumultua,
de sair pela rua
em desatino,
como se houvesse
marcado
um encontro com o
Destino!...
Alegria de amar
necessidade de
desabafar
recalcada tristeza,
de te sonhar
disperso
na beleza,
de te afagar
em toda a natureza,
como se, por
milagre,
me chegasses!
Alegria de amar
que me transborda
em lágrimas nas
faces
Alegria de amar
na manhã
transparente,
na tarde azul,
na noite cheia de
fulgor;
alegria de amar
indefinidamente,
à criação,
às criaturas,
ao Criador!...
Alegria de amar
que me alvoroça a
mente
e o sangue me
acelera,
que me faz caminhar
alucinadamente,
com todo o corpo
de saudade doente,
na esperança
infantil
de saber que
alguém me
espera!...»
Poema de Gilka Machado, in Wikipedia
Cortesia de wikipedia/JDACT
Poesia, JDACT, Gilka Machado, Brasil,