segunda-feira, 28 de junho de 2021

Gilka Machado. Poesia. «Alegria de amar, inquietação que tento em vão refrear, volúpia que em meus membros tumultua, de sair pela rua…»

Cortesia de wikipedia e jdact

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Gilka Machado foi a maior figura feminina de nosso Simbolismo, em cuja ortodoxia se encaixa com seus dois livros capitais, Cristais Partidos e Estados de Alma. Nem sua ousadia tinha impureza, mas punha à mostra a riqueza dos seus sentidos, especialmente de um pouco explorado em poesia, o tacto. Sua sensibilidade é requintada, algo excêntrica, mas profundamente feminina. Se é intensiva a experiência de Gilka Machado, como poetisa e mulher reivindicadora, há outras barreiras a vencer entre a militância poética e a militância doméstica. Havia uma distância, na sua época, entre o campo da sacralidade da arte e certos aspectos da vida rotineira, que o simbolismo intensifica, o modernismo desenvolve e autoras mais contemporâneas, como Adélia Prado, consumam. Gilka Machado, a viúva do poeta Rodolfo Machado, a mulher dona de pensão que cozinhava para tantos poetas de sua época, como Tasso Silveira e Andrade Muricy, por exemplo, enquanto fazia poesia, esta ainda habita os porões do cenário poético. Já fizera emergir dos porões, no entanto, um dos monstros proibidos: o modo de representação da ansiedade erótica que delineia um projecto novo ou um novo jeito de querer ser mais mulher; e que justifica, penso eu, o considerar a poesia de Gilka Machado como precursora na luta pelos direitos de acesso à representação do prazer erótico na poesia feminina brasileira.

[…]

Alegria de Amar

«Alegria de amar

 anseio de apertar

nos meus braços o mar,

de desfolhar

as rosas com meus beijos!...

Alegria de amar

desejo de, num grito,

ascender,

ascender,

para o azul do infinito

e espreguiçar-me

pelas curvas de éter!...

Alegria de amar

vontade de escrever

nos longes do ar,

para que de onde estás

pudesses lê-las,

estas estrofes,

mas com o fogo das estrelas!

Alegria de amar,

inquietação

que tento em vão

refrear,

volúpia

que em meus membros

tumultua,

de sair pela rua

em desatino,

como se houvesse marcado

um encontro com o Destino!...

Alegria de amar

necessidade de desabafar

recalcada tristeza,

de te sonhar disperso

na beleza,

de te afagar

em toda a natureza,

como se, por milagre,

me chegasses!

Alegria de amar

que me transborda

em lágrimas nas faces

Alegria de amar

na manhã transparente,

na tarde azul,

na noite cheia de fulgor;

alegria de amar

indefinidamente,

à criação,

às criaturas,

ao Criador!...

Alegria de amar

que me alvoroça a mente

e o sangue me acelera,

que me faz caminhar

alucinadamente,

com todo o corpo

de saudade doente,

na esperança infantil

de saber que

alguém me espera!...»

Poema de Gilka Machado, in Wikipedia

Cortesia de wikipedia/JDACT

Poesia, JDACT, Gilka Machado, Brasil,