sábado, 26 de junho de 2021

Gilka Machado. Poesia. «Tenho certeza, minha louca, de lhe dar a morder em ti meu coração!... Língua do meu Amor velosa e doce…»

Cortesia de wikipedia e jdact

[…] Além de talentosa poetisa, Gilka também era uma mulher do seu tempo, que participou dos movimentos em defesa dos direitos das mulheres. Fez parte do grupo da professora Leolinda Daltro que fundou em Dezembro de 1910 o Partido Republicano Feminino, do qual foi segunda secretária. Seu primeiro livro de poesia, Cristais Partidos, foi publicado em 1915. Em 1916 foi publicada sua conferência A Revelação dos Perfumes, no Rio de Janeiro. Em 1917 publicou Estados de Alma e, em seguida, no ano de 1918, Poesias, 1915/1917, Mulher Nua, em 1922, O Grande Amor, Meu Glorioso Pecado, em 1928, e Carne e Alma, em 1931. Em 1932, foi publicada em Cochabamba, Bolívia, a antologia. No ano seguinte, a escritora foi eleita a maior poetisa do Brasil, por concurso da revista O Malho, do Rio de Janeiro. Sublimação foi publicada em 1938, Meu Rosto em 1947, Velha Poesia em 1968 e em 1978 a partir de uma selecção pessoal dos livros: Cristais Partidos, Estados de Alma, Mulher Nua, Meu Gloriosos Pecado e Velha Poesia, publicou Gilka Machado, Poesias Completas.

Recebeu o Prémio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, em 1979. Faleceu no Rio de Janeiro, a 17 de Dezembro de 1980.

A forma ousada dos seus versos, de um ritmo livre e bastante pessoal, harmoniza-se com a liberdade de inspiração, onde predomina um forte sensualismo, tão forte que Humberto Campos notava-lhe nos poemas verdadeiras 'tempestades de carne... Seus livros provocavam, simultaneamente, admiração e escândalo, já que a poetisa confessava sentir pelos no vento, desejava penetrar o amado 'pelo olfacto, assim como as espiras/invisíveis do aroma... e declarava, sem rebuços: eu sinto que nasci para o pecado…

[…]

Lépida e leve

«Lépida e leve

em teu labor que, de expressões à míngua,

o verso não descreve...

Lépida e leve,

guardas, ó língua, em teu labor,

gostos de afago e afagos de sabor.

És tão mansa e macia,

que teu nome a ti mesma acaricia,

que teu nome por ti roça, flexuosamente,

como rítmica serpente,

e se faz menos rudo,

o vocábulo, ao teu contacto de veludo.

Dominadora do desejo humano,

estatuária da palavra,

ódio, paixão, mentira, desengano,

por ti que incêndio no Universo lavra!...

És o réptil que voa,

o divino pecado

que as asas musicais, às vezes, solta, à toa.

e que a Terra povoa e despovoa,

quando é de seu agrado.

Sol dos ouvidos, sabiá do tacto,

ó língua-ideia, ó língua-sensação,

em que olvido insensato,

em que tolo recato,

te hão deixado o louvor, a exaltação!

Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!

Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!

Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de

alucinação, és o elatério da alma... Ó minha louca

língua, do meu Amor penetra a boca,

passa-lhe em todo senso tua mão,

enche-o de mim, deixa-me oca...

Tenho certeza, minha louca,

de lhe dar a morder em ti meu coração!...

Língua do meu Amor velosa e doce,

que me convences de que sou frase,

que me contornas, que me vestes quase,

como se o corpo meu de ti vindo me fosse.

Língua que me cativas, que me enleias

ou surtos de ave estranha,

em linhas longas de invisíveis teias,

de que és, há tanto, habilidosa aranha...

Língua-lâmina, língua-labareda,

língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...

Força inferia e divina

faz com que o bem e o mal resumas,

língua-cáustica, língua-cocaína,

língua de mel, língua de plumas?...

Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,

amo-te como todas as mulheres

te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,

pela carne de som que à ideia emprestas

e pelas frases mudas que proferes

nos silêncios de Amor!...»

Poema de Gilka Machado, in Wikipedia

Cortesia de wikipedia/JDACT