[…] Além de talentosa poetisa, Gilka também era uma mulher do seu tempo, que participou dos movimentos em defesa dos direitos das mulheres. Fez parte do grupo da professora Leolinda Daltro que fundou em Dezembro de 1910 o Partido Republicano Feminino, do qual foi segunda secretária. Seu primeiro livro de poesia, Cristais Partidos, foi publicado em 1915. Em 1916 foi publicada sua conferência A Revelação dos Perfumes, no Rio de Janeiro. Em 1917 publicou Estados de Alma e, em seguida, no ano de 1918, Poesias, 1915/1917, Mulher Nua, em 1922, O Grande Amor, Meu Glorioso Pecado, em 1928, e Carne e Alma, em 1931. Em 1932, foi publicada em Cochabamba, Bolívia, a antologia. No ano seguinte, a escritora foi eleita a maior poetisa do Brasil, por concurso da revista O Malho, do Rio de Janeiro. Sublimação foi publicada em 1938, Meu Rosto em 1947, Velha Poesia em 1968 e em 1978 a partir de uma selecção pessoal dos livros: Cristais Partidos, Estados de Alma, Mulher Nua, Meu Gloriosos Pecado e Velha Poesia, publicou Gilka Machado, Poesias Completas.
Recebeu o Prémio
Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, em 1979. Faleceu
no Rio de Janeiro, a 17 de Dezembro de 1980.
A forma ousada dos seus versos, de um ritmo livre e
bastante pessoal, harmoniza-se com a liberdade de inspiração, onde predomina um
forte sensualismo, tão forte que Humberto Campos notava-lhe nos poemas verdadeiras
'tempestades de carne... Seus livros provocavam, simultaneamente, admiração e
escândalo, já que a poetisa confessava sentir pelos no vento, desejava penetrar
o amado 'pelo olfacto, assim como as espiras/invisíveis do aroma... e declarava,
sem rebuços: eu sinto que nasci para o pecado…
[…]
Lépida e leve
«Lépida e leve
em teu labor que,
de expressões à míngua,
o verso não
descreve...
Lépida e leve,
guardas, ó língua,
em teu labor,
gostos de afago e
afagos de sabor.
És tão mansa e
macia,
que teu nome a ti
mesma acaricia,
que teu nome por ti
roça, flexuosamente,
como rítmica
serpente,
e se faz menos
rudo,
o vocábulo, ao teu
contacto de veludo.
Dominadora do
desejo humano,
estatuária da
palavra,
ódio, paixão,
mentira, desengano,
por ti que incêndio no Universo lavra!...
És o réptil que
voa,
o divino pecado
que as asas
musicais, às vezes, solta, à toa.
e que a Terra povoa
e despovoa,
quando é de seu
agrado.
Sol dos ouvidos,
sabiá do tacto,
ó língua-ideia, ó
língua-sensação,
em que olvido
insensato,
em que tolo recato,
te hão deixado o
louvor, a exaltação!
Tu que irradiar
pudeste os mais formosos poemas!
Tu que orquestrar
soubeste as carícias supremas!
Dás corpo ao beijo,
dás antera à boca, és um tateio de
alucinação, és o
elatério da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor
penetra a boca,
passa-lhe em todo
senso tua mão,
enche-o de mim,
deixa-me oca...
Tenho certeza,
minha louca,
de lhe dar a morder
em ti meu coração!...
Língua do meu Amor
velosa e doce,
que me convences de
que sou frase,
que me contornas, que
me vestes quase,
como se o corpo meu
de ti vindo me fosse.
Língua que me
cativas, que me enleias
ou surtos de ave
estranha,
em linhas longas de
invisíveis teias,
de que és, há
tanto, habilidosa aranha...
Língua-lâmina,
língua-labareda,
língua-linfa, coleando,
em deslizes de seda...
Força inferia e
divina
faz com que o bem e
o mal resumas,
língua-cáustica,
língua-cocaína,
língua de mel,
língua de plumas?...
Amo-te as sugestões
gloriosas e funestas,
amo-te como todas
as mulheres
te amam, ó
língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som
que à ideia emprestas
e pelas frases
mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...»
Poema de Gilka Machado, in Wikipedia
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