quinta-feira, 3 de junho de 2021

Novas Cartas Portuguesas. Maria Barreno, Maria Horta, Maria Costa. «Ninguém é nosso irmão ou irmã. De irmandade só o convento. Que o cavaleiro erre tanto como a tua loucura…»


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Brinvilliers (Marie Marguerite de)

Jovem e bonita mulher que, de 1666 a 1672, envenenou sem malícia, e muitas vezes com desinteresse, pais, amigos e criados. Chegava a ir aos hospitais e aí administrava veneno aos doentes. Todos os seus crimes devem ser atribuídos a uma horrível loucura ou à mais atroz espécie de depravação, mas não ao demónio, como é frequentemente o caso. É verdade que Brinvilliers começou a sua carreira criminosa aos sete anos e que espíritos supersticiosos suspeitavam de que um medonho diabo a tinha possuído... Vinte e quatro horas depois de ter sido queimada, em 1676, as pessoas procuraram os seus ossos e olhavam-nos como relíquias, dizendo que ela era uma santa..., pois que os envenenamentos continuaram depois da sua morte.

A ti fugida na tua paixão. De solidariedade

Ninguém, casadas e vendidas e nos próprias.

Não houve pão para nós à mesa dos homens.

E o que faremos, Madre Abadessa, que faremos?

Ninguém é nosso irmão ou irmã. De irmandade

Só o convento. Que o cavaleiro erre

Tanto como a tua loucura. Não acoites seu corpo

No teu, refúgio do seu pavor. Que ele caia

Sem casa. Nossa esperança

É a ruína das casas. Aí virás

Da tua paixão.

E o que faremos, o que faremos?

Deshoulières

Madame Deshoulierès decidiu passar alguns meses num domínio a quatro léguas de Paris, e foi convidada a escolher o mais belo quarto do castelo, à excepção de um quarto que era visitado todas as noites por um fantasma. Havia já muito tempo que Madame Deshoulières queria ver um fantasma, e a despeito de todas as objecções levantadas, instalou-se no quarto assombrado. Quando chegou a noite, foi para a cama, pegou num livro, como era seu costume, leu e, tendo-o acabado, apagou a luz e adormeceu. Depressa foi acordada por um barulho na porta, que fechava mal. Alguém abriu a porta, entrou, andando pesadamente... Estendendo as mãos, Madame Deshoulières agarrou duas orelhas lanzudas, e teve a paciência de as segurar até à manhã seguinte..., quando se descobriu que o pressuposto fantasma era um grande cão que achava o quarto mais confortável para dormir do que as estrebarias.

No mundo abandonado onde então erraremos

A paixão será um só objecto e exercício. Não me chames

De irmã, até que outro mundo venha.

Afastar possibilidades de novo convento. Nos escombros

Acharemos irmãos. Os que nada perderam

E por nada foram esmagados, pois que não tinham

Casas. Mas guardemo-nos ainda porque os irmãos

Dirão Fizésteis os cidadãos

Agora a cidade é nossa

Três vezes nos trairão

Nossos irmãos: no pão, no corpo

E na cidade. Não me armes cavaleiro

Das tuas angústias. Retomaríamos nos escombros

Antigos fantasmas. Recuaremos à raiz

Da nossa angústia, sozinhas, até dizermos

Nossos filhos são filhos são gente e não

Falos dos nossos machos. Chamaremos crianças

Às crianças, mulheres às mulheres e homens

Aos homens. Chamaremos um poeta para governo

Da cidade. Que substitua o demiurgo

De ciclópicos trabalhos.

Primeira Carta IV

Como é que o amor é possível?

Como é que não é possível?

que mais importa:

a história de um amor?

ou um amor na História?

na estória?»

30/3/71

In Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN 978-972-204-011-2.

Cortesia PdQuixote/JDACT

JDACT, Maria Teresa Horta, Literatura, Saber, Mariana Alcoforado,