«(…)
Brinvilliers
(Marie Marguerite de)
Jovem e bonita mulher que, de
1666 a 1672, envenenou sem malícia, e muitas vezes com desinteresse, pais,
amigos e criados. Chegava a ir aos hospitais e aí administrava veneno aos
doentes. Todos os seus crimes devem ser atribuídos a
uma horrível loucura ou à mais atroz espécie de depravação, mas não ao demónio,
como é frequentemente o caso. É verdade que Brinvilliers começou a sua carreira
criminosa aos sete anos e que espíritos supersticiosos suspeitavam de que um
medonho diabo a tinha possuído... Vinte e quatro horas depois de ter sido
queimada, em 1676, as pessoas procuraram os seus ossos e olhavam-nos como
relíquias, dizendo que ela era uma santa..., pois que os envenenamentos
continuaram depois da sua morte.
A ti fugida na tua
paixão. De solidariedade
Ninguém, casadas e
vendidas e nos próprias.
Não houve pão para
nós à mesa dos homens.
E o que faremos,
Madre Abadessa, que faremos?
Ninguém é nosso irmão ou irmã. De irmandade
Só o convento. Que o
cavaleiro erre
Tanto como a tua
loucura. Não acoites seu corpo
No teu, refúgio do
seu pavor. Que ele caia
Sem casa. Nossa
esperança
É a ruína das casas.
Aí virás
Da tua paixão.
E o que faremos, o que faremos?
Deshoulières
Madame Deshoulierès
decidiu passar alguns meses num domínio a quatro léguas de Paris, e foi
convidada a escolher o mais belo quarto do castelo, à excepção de um quarto que
era visitado todas as noites por um fantasma. Havia já muito tempo que Madame Deshoulières
queria ver um fantasma, e a despeito de todas as objecções levantadas,
instalou-se no quarto assombrado. Quando chegou a noite, foi para a cama, pegou
num livro, como era seu costume, leu e, tendo-o acabado, apagou a luz e
adormeceu. Depressa foi acordada por um barulho na porta, que fechava mal.
Alguém abriu a porta, entrou, andando pesadamente... Estendendo as mãos, Madame
Deshoulières agarrou duas orelhas lanzudas, e teve a paciência de as segurar
até à manhã seguinte..., quando se descobriu que o pressuposto fantasma era um
grande cão que achava o quarto mais confortável para dormir do que as
estrebarias.
No mundo abandonado onde então erraremos
A paixão será um só objecto e
exercício. Não me chames
De irmã, até que outro mundo
venha.
Afastar possibilidades de novo
convento. Nos escombros
Acharemos irmãos. Os que nada
perderam
E por nada foram esmagados, pois
que não tinham
Casas. Mas guardemo-nos ainda
porque os irmãos
Dirão Fizésteis os cidadãos
Agora a cidade é nossa
Três vezes nos trairão
Nossos irmãos: no pão, no corpo
E na cidade. Não me armes cavaleiro
Das tuas angústias. Retomaríamos
nos escombros
Antigos fantasmas. Recuaremos à
raiz
Da nossa angústia, sozinhas, até
dizermos
Nossos filhos são filhos são
gente e não
Falos dos nossos machos.
Chamaremos crianças
Às crianças, mulheres às mulheres
e homens
Aos homens. Chamaremos um poeta
para governo
Da
cidade. Que substitua o demiurgo
De
ciclópicos trabalhos.
Primeira Carta IV
Como é que o amor é possível?
Como é que não é possível?
que mais importa:
a história de um amor?
ou um amor na História?
na
estória?»
30/3/71
In Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN 978-972-204-011-2.
Cortesia PdQuixote/JDACT
JDACT, Maria Teresa Horta, Literatura, Saber, Mariana Alcoforado,