«(…) Mas e o francês? Tom teve vontade de perguntar se era ele o pai de Jack. E se era, quando morrera? E como? Mas pela cara de Ellen, sabia que ela não ia falar a respeito dessa parte da sua história, e como parecia ser do tipo que não podia ser persuadida a agir contra a própria vontade, ele guardou as perguntas para si. Por essa época seu pai morrera e o bando se dispersara, de modo que Ellen não tinha parentes ou amigos neste mundo. Quando Jack estava para nascer, ela acendeu uma fogueira para ficar acesa a noite toda, na entrada da sua caverna. Tinha água e comida à mão, assim como o arco, as flechas e as facas, para afastar os lobos e cães selvagens, e até mesmo um pesado manto vermelho roubado de um bispo, para embrulhar o bebé. Só não estava preparada para o medo e a dor do parto, e por muito tempo pensou que fosse morrer. Não obstante, o bebê nasceu forte e saudável, e ela sobreviveu.
Ellen e Jack viveram uma vida
simples e frugal durante os onze anos seguintes. A floresta lhes dava tudo de
que necessitavam, desde que fossem cuidadosos para armazenar maçãs, nozes e
carne de veado salgada o suficiente para passar os meses de Inverno. Não raro
Ellen pensava que, se não houvesse reis, lordes, bispos e xerifes, todos
poderiam viver assim e ser perfeitamente felizes. Tom perguntou-lhe então como
se arranjava com os outros proscritos, homens como Faramond Boca Aberta. O que
aconteceria se eles se aproximassem furtivamente de noite e tentassem estuprá-la?,
perguntou ele, e o desejo despertou com o pensamento, embora jamais tivesse
possuído uma mulher contra a vontade, nem mesmo sua esposa. Os outros
fora-da-lei tinham medo dela, disse Ellen, fitando-o com os luminosos olhos
claros, e sabia a razão: eles pensavam que fosse uma feiticeira. Quanto às
pessoas obedientes à lei que viajavam pela floresta, pessoas que sabiam que
podiam roubar, estuprar e matar uma fora-da-lei sem medo de punição, Ellen simplesmente
se escondia delas. Porque então não se escondera de Tom? Porque vira uma
criança ferida e quisera ajudar. Ela própria tinha um filho.
Ellen ensinara a Jack tudo o que
aprendera na casa do pai acerca de armas e caçadas. Depois lhe ensinara a ler e
escrever e tudo mais que aprendera com as freiras: música e aritmética, francês
e latim, desenho, até mesmo histórias da Bíblia. Finalmente, nas longas noites
de Inverno, transferira para ele o legado do francês, que sabia mais histórias,
poemas e canções do que qualquer outra pessoa no mundo... Tom não acreditou que
Jack pudesse ler e escrever. Tom sabia escrever o nome, e um punhado de
palavras como pence, jardas e alqueires; e Agnes, sendo filha de um sacerdote,
sabia mais, embora escrevesse lenta e laboriosamente, com a ponta da língua
aparecendo no canto da boca; Alfred porém não sabia escrever uma única palavra,
e mal era capaz de reconhecer o próprio nome; Martha não conseguia fazer nem
isso. Seria possível que aquela criança idiota fosse mais alfabetizada do que
toda a família de Tom? Ellen disse a Jack para escrever qualquer coisa, e ele
alisou a terra e rabiscou umas letras. Tom reconheceu a primeira palavra, Alfred,
mas não as outras, e sentiu-se um tolo; então ela o salvou, lendo em voz alta: Alfred
é maior que Jack. O menino desenhou rapidamente duas figuras, uma maior que a
outra, e embora fossem desenhos esquemáticos, via-se que uma das figuras tinha
os ombros largos e uma expressão um tanto bovina, enquanto a outra era pequena
e sorridente. Tom, que tinha um certo talento para desenhar, ficou atônito com
a força e simplicidade do desenho garatujado na terra. Mas a criança parecia
idiota». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007,
ISBN 978-972-233-788-5.
Cortesia de EPresença/JDACT
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