«(…) A única coisa na sala que tinha mudado de forma a ficar irreconhecível era eu, é claro. Nós, humanos, completamos a maior parte da nossa evolução física e mental em nossos primeiros anos no planeta Terra, de bebés a adultos plenos num piscar de olhos. Depois disso, ao menos por fora, passamos o resto da vida mais ou menos com a mesma aparência, apenas nos transformando em versões mais flácidas e menos atraentes do nosso eu jovem, à medida que os genes e a gravidade fazem o que sabem fazer de pior. Quanto à dimensão afectiva e intelectual das coisas..., bem, devo acreditar que há algumas vantagens que compensam o lento declínio do nosso envoltório externo. Estar de volta a Pandora me mostrou com clareza que elas existem. Tornando a entrar no corredor, ri do Alex que eu era. E me encolhi diante do meu eu anterior, aos 13 anos, um completo egocêntrico e perfeito pé no saco.
Abri a porta do Armário das
Vassouras, apelido carinhoso que dei ao quarto que ocupei durante aquele longo
e quente verão dez anos atrás. Ao procurar o interruptor, percebi que eu não
subestimara as dimensões do cómodo e que, para dizer o mínimo, o espaço parecia
haver encolhido ainda mais. Entrei nele com todo o meu 1,85 metro e me
perguntei se, caso eu fechasse a porta, meus pés precisariam ficar pendurados
para fora da janelinha, bem ao estilo Alice no País das Maravilhas. Levantei os
olhos para as estantes que preenchiam os dois lados do quarto claustrofóbico e
vi que os livros que eu arrumara trabalhosamente em ordem alfabética ainda
estavam ali. Num gesto instintivo, peguei um deles, Rewards and Fairies, de Rudyard Kipling, e o folheei até
encontrar o famoso poema. Ao ler os versos de Se, os sábios conselhos de um pai para um filho, senti meus olhos
se encherem de lágrimas pelo adolescente que eu fora, tão desesperado para
encontrar um pai. E que, depois de encontrá-lo, reconhecera que já o tinha. Quando
devolvia Rudyard a seu lugar na prateleira, avistei um livrinho de capa dura a
seu lado e me dei conta de que era o diário que minha mãe me dera no Natal,
alguns meses antes de eu vir a Pandora pela primeira vez.
Todos os dias, durante sete
meses, eu escrevera nele com assiduidade e, sabendo como eu era na época,
pomposamente. Como todo o adolescente, eu acreditava que minhas ideias e
sentimentos eram únicos e inovadores, pensamentos que nenhum ser humano jamais
tivera antes de mim. Balancei a cabeça, triste, e suspirei como um ancião
diante da minha ingenuidade. Eu havia deixado esse diário para trás ao voltar
para casa, na Inglaterra, depois daquele longo verão em Pandora. E ali estava
ele, passados dez anos, mais uma vez nas minhas mãos, hoje muito maiores. Uma lembrança
dos meus últimos meses de criança, antes que a vida me arrastasse para a idade
adulta. Levando o diário comigo, saí do quarto e subi para o segundo andar. Ao caminhar
pela penumbra do corredor abafado, sem saber exactamente em qual cómodo queria
me instalar durante minha temporada aqui, respirei fundo e fui ao quarto dela. Com toda a coragem possível,
abri a porta. Talvez fosse minha imaginação, após uma década de ausência, achei
que devia ser, mas me convenci de que meus sentidos tinham sido tomados de
assalto pelo aroma daquele perfume que um dia ela usara...» In
Lucinda Riley, O Segredo de Helena, 2016, Editora IN, 2018, ISBN 978-989-776-064-8.
Cortesia de EIN/JDACT
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