A Piazza Pizzo di Merlo
«(…) Inocêncio VIII tornara-se papa e permitira que o cardeal della Rovere, que era sobrinho do falecido Sisto, o convencesse a fazer guerra contra Nápoles. Os poderosos Orsini, que, como os Colonna, dominavam Roma, eram amigos e aliados dos napolitanos, e isso lhes proporcionara uma desculpa para levantarem-se contra a cidade. Colocaram Roma quase em estado de sítio, e seus velhos inimigos, os Colonna, não perderam tempo e entraram em combate contra eles. Portanto, as ruas de Roma, durante o período que se seguiu à morte de Sisto e à eleição de Inocêncio, foram cenário de muitas batalhas ferozes. As crianças, César, Giovanni e Lucrécia, olhando por trás das barricadas, tinham visões estranhas da cidade de Roma. Viram os ferozes Orsini saindo em grande número de Monte Giordano para atacar os igualmente ferozes e sanguinários Colonna. Viram homens cortando uns aos outros em pedaços na praça imediatamente diante de seus olhos; viram o comportamento de soldados lascivos com meninas e mulheres; sentiram os horríveis cheiros da guerra, de prédios em chamas, de sangue e de suor; ouviram os gritos de vítimas e os gritos triunfantes de atacantes. A morte era comum; a tortura, também.
A pequena Lucrécia, com quatro
anos de idade, assistia àquilo a princípio com espanto, e depois quase que com
indiferença. César e Giovanni assistiam com ela, e ela ia aprendendo com eles. Tortura,
estupro, assassinato, tudo isso fazia parte do mundo fora da ala infantil em
que eles viviam. Aos quatro anos de idade, as crianças aceitam sem surpresa
aquilo que diariamente desfila diante de seus olhos, e Lucrécia iria lembrar-se
daquela época da sua vida não como uma época de horror, mas de mudança. Aos
poucos, o combate acabou; a vida voltou ao normal; e dois anos se passaram
antes que houvesse uma outra, e dessa vez mais importante, mudança para Lucrécia,
uma mudança que assinalou o começo do fim da sua infância. Ela estava com quase
seis anos, uma criança precoce para a idade, César, com onze e Giovanni, com
dez; ela ficara tanto tempo na companhia deles que aprendera mais do que a
maioria das crianças sabia aos seis anos de idade. Ela estava serena como
sempre, talvez um pouco mais ansiosa agora do que antes, por provocar aquela
rivalidade entre os irmãos, compreendendo mais do que nunca o poder que aquilo
lhe dava, e que, enquanto cada um deles procurasse ser o seu favorito, ela
poderia ser a pessoa mais poderosa da ala infantil.
Claro que ela era serena,
porque era inteligente; adquirira o poder através da rivalidade dos irmãos, e
tudo o que tinha de fazer era dar o prémio, o seu afecto. Continuava sendo a querida da ala
infantil. As amas podiam ter a certeza de que não haveria acesso de fúria algum
por parte de Lucrécia; era delicada com o jovem Goffredo, que os irmãos
praticamente não se dignavam anotar por causa da pouca idade; e era igualmente
delicada com o pequeno Otaviano, a que os irmãos não davam absolutamente atenção
alguma. Eles sabiam de alguma coisa a respeito de Otaviano que fazia com que o
desprezassem, mas Lucrécia sentia pena dele, de modo que lhe dedicava uma
delicadeza especial. Lucrécia desfrutava a vida; era divertido jogar um irmão
contra o outro, extrair deles os segredos, usar aquela rivalidade. Ela gostava
de andar pelos jardins, os braços envolvendo Giovanni, sendo especialmente
carinhosa quando sabia que César podia vê-la da casa. Ser assim tão amada por
dois irmãos tão maravilhosos fazia com que ela se sentisse bem e à vontade». In Jean Plaidy, Lucrécia Borgia, Edição Record, 1996, ISBN 978-850-104-410-5.
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Jean Plaidy, Itália, Literatura,