«Sei que tudo te há-de correr bem - disse a mãe de Traian Matisi. -
Estou certa que tudo te há-de correr bem. As lágrimas corriam-lhe pela cara.
Com a mão direita segurava o rebordo da carruagem prestes a partir. Agarrava-a
como se a-quisesse deter. Com a mão esquerda limpava as lágrimas quando lhe chegavam
aos lábios. - Não tens razão nenhuma para chorar – disse Traian depois de ter
arrumado a mala na carruagem. - Chorar para quê, se tens a certeza de que me
vou sair bem? A carruagem, atrelada a dois cavalos, estava parada diante da
escada da casa.
Traian, envergando o seu primeiro trajo civil, partira para a
Universidade, em Bucareste. Todos os seus, à volta da carruagem, assistiam à
partida: o pai, o padre de Isvor, direito, magro, apertado na sotaina. -
Estava calado. Junto dele estavam as três irmãs e Nicolau, o irmão de Traian.
Também calados. - Bem sabes que hei-de vir de tempos a tempos a casa - disse
Traian. Pôs uma mão protectora no ombro da mãe, que o fitou cara a cara.
Enquanto olhava para o filho, os olhos dilatavam-se-1he, interrogadores e
assustados.
- Pois claro que volto sempre nas
férias a casa - disse Traian, vendo o medo invadir os olhos enevoados de
lágrimas da mãe. - Voltas? Sério? - perguntou ela, incrédula, com uma voz
hesitante. Depois de fazer a pergunta, a mãe de Traian desatou a soluçar. - Não
queres acreditar que volto? - disse ele; e apertou-lhe com mais força o ombro.
- É por isso que estás a chorar? Porque julgas que não volto? - Acredito que
voltas - disse ela. As lágrimas - deslizaram-lhe de novo até aos lábios e
limpou-as com a mão esquerda. Depois continuou:
- Acredito que voltas. Mas tenho medo que voltes tarde de mais. É só isso. Que voltes tarde de mais. Quando eu já cá não estiver.
A mãe de Traian Matisi desprendeu a mão da carruagem; agora deixava-a
partir. Dissera ao filho tudo o que tinha a dizer-lhe. Toda a sua angústia. Deu
um passo atrás para deixar partir a carruagem. Traian voltou-se, interrogador,
para o pai. O padre estava imóvel. As três irmãs de Traian também. Junto da escada
deu com o olhar do Solitário.
Era um cavalo serrano, um pouco maior do que um poney, que, um belo dia, chegara ao pátio do padre de Isvor,
onde espinoteava em liberdade, partilhando da vida das crianças, das galinhas, dos
patos e dos outros animais domésticos. O Solitário olhava agora para Traian com
os mesmos olhos indagadores, fixos e um pouco inquietos, com que o olhavam todas
as pessoas reunidas à volta dele. - Mas para quê, esta despedida trágica? – disse
Traian. - Como se eu fosse para o fim do mundo...
A voz tornou-se-lhe enérgica. Continuou:
- Não vou, nem para o fim do mundo, nem para a guerra. - Vou pura e simplesmente para a Universidade. Mas para que servem essas lágrimas? Mamã, não chores mais!
Traian Matisi beijou a mão ao pai, que lhe deu um beijo na testa.
Beijou a mão da mãe. A mãe deu-lhe um beijo na testa também. Beijou as irmãs,
na face direita. Para beijá-las tinha de se curvar, que as três eram mais
pequenas do que ele. Puseram-se, cada uma por sua vez, nos bicos dos pés e
beijaram também Traian na face direita. Nicolau, o irmão de Traian, tinha dez
anos. Recebeu com gravidade o beijo na face direita. - Agora, adeus! - disse
bruscamente Traian. - Adeus! Até às férias do Natal. Antes de saltar para a
carruagem encontrou de novo os olhos inquietos do cavalinho, do Solitário,
que olhava fixamente para ele.
- Também queres que te diga
adeus? - perguntou Traian.
Traian beijou rapidamente o cavalinho na testa, entre os olhos. Depois saltou
para a carruagem. Grigore, o criado que o levava à estação, enxotou com o
chicote os patos, os gansos e as peruas que se tinham instalado debaixo do
carro. Depois subiu para o pé de Traian e chicoteou os cavalos. - Volta, como
prometeste! - disse a mãe de Traian. Fora mais para si mesma que falara, quando
a carruagem largou. No mesmo instante ouviu-se a voz de Nicolau, que parodiava
a recomendação materna ao irmão que partia: - Ó defunto, não voltes tarde de mais!
A alcunha de defunto,
lançada naquele momento por Nicolau, provocou o riso das crianças. Traian
também riu. O padre sorriu, a mãe de Traian sorriu por entre as lágrimas. E até
Grigore. Todos riam quando a carruagem deixou o pátio do padre de Isvor.
As irmãs e o irmão tinham posto a Traian a alcunha de defunto. Traian era o filho mais velho do padre. Durante as
férias, passava os dias a ler na varanda da casa. As irmãs e Nicolau tinham
posto ao irmão mais velho o nome de defunto
para se vingarem de ele nunca brincar com eles. Tinham decidido que só um morto,
um defunto podia ficar imóvel
todo o dia, com a cabeça metida entre os livros». In C. Virgil Gheorghiu, O Homem
que Viajou Sòzinho, tradução de Vitorino Nemésio, 4ª edição, Livraria Bertrand,
Lisboa.
Cortesia da L. Bertrand/JDACT