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Presente
«(…)
Alle Becket estava deitada na cama, com braços e pés amarrados nas grades. Um
pedaço de fita adesiva cobrindo a boca, o que a obrigava a respirar rapidamente
pelo nariz. O pequeno quarto estava escuro, e isso a deixava nervosa. Acalme-se, disse para si
mesma. Os pensamentos voltados para seu pai. Thomas Peter Sagan. Seus
sobrenomes eram diferentes graças a um casamento que tivera três anos antes,
logo depois que seu avô, Abiram, morrera. Fora uma péssima ideia em todos os
sentidos, principalmente porque seu marido achou que um anel no dedo
significava que teria carta branca para usar os cartões de crédito dela. O
casamento durou três meses. O divórcio, mais um. Pagar todas as contas levou
dois anos. Mas ela conseguira. Sua mãe lhe ensinara que dever aos outros não
era uma boa coisa. Gostava de pensar que ela lhe ensinara a ter carácter. Só
Deus sabe que isso não veio de seu pai. Suas lembranças dele eram péssimas.
Tinha 25 anos e não se lembrava de nenhuma vez que ele tivesse dito que a
amava. Por que você se casou com ele? Nós
éramos jovens, Alle. Estávamos apaixonados e tivemos tantos anos bons. Era uma
vida segura. Só depois do próprio casamento ela compreendeu o valor da segurança.
Desordem completa era uma descrição melhor para sua breve união. A única coisa
que levou do casamento foi o sobrenome, porque qualquer coisa era melhor do que
Sagan. Só escutar esse nome já embrulhava o seu estômago. Se fosse para se
lembrar de fracassos, que pelo menos fossem de um ex-marido que em determinado
momento, principalmente durante aqueles seis dias em Turcas e Caicos, proporcionou-lhe
lembranças inesquecíveis. Testou as cordas que prendiam os seus braços. Seus
músculos doíam. Ela se contorceu um pouco e se endireitou. Uma janela aberta
permitia que algum ar fresco entrasse, mas o suor brotava em sua testa, e as
costas de sua camisa estavam molhadas contra o colchão. Os poucos cheiros presentes
não eram agradáveis, e ela imaginava quem mais se tinha deitado ali antes dela.
Não gostava da sensação de impotência que aquela situação lhe trazia. Então,
forçou-se a pensar na mãe, uma mulher amorosa que a mimou e fez tudo para que
conseguisse as notas necessárias para entrar na Universidade de Brown e se
formasse. História era uma paixão antiga, principalmente a América pós-Colombo,
a época entre 1492 e 1800, quando a Europa impeliu o Velho Mundo ao Novo. Sua
mãe também tivera sucesso pessoal, recuperando-se do sofrimento do divórcio e
encontrando um novo marido. Ele era cirurgião ortopédico; um homem carinhoso
que cuidou das duas, o oposto de seu pai. Aquele casamento tinha sido
bem-sucedido. Mas, dois anos atrás, um motorista negligente, com a carta suspensa,
atravessou o sinal vermelho e acabou com a vida de sua mãe. Sentia uma saudade
terrível dela. O funeral permanecia vivo em sua mente, graças à chegada
inesperada de seu pai. Saia. Ela não ia querer você aqui, dissera ela num tom
de voz alto o suficiente para todos escutarem. Eu vim me despedir. Você fez
isso muito tempo atrás, quando virou as costas para nós. Você não faz ideia do
que eu fiz. Só se tem uma chance de criar um filho. De ser marido. De ser pai. Você
perdeu a sua. Saia. Ela se lembrava do rosto dele. A expressão indiferente que
revelava pouco do que havia por baixo. Quando era mais nova, sempre se perguntara
em que ele estava pensando. Agora não se perguntava mais. Que importância
tinha? Puxou as cordas de novo. Na verdade, tinha muita importância». In Steve Berry, A Conspiração Colombo,
2012, Maria B. Medina, Editora Record, 2014, ISBN 978-850-140-380-3.
Cortesia
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