Das
origens aos fins do século XVII
«O
fenómeno eremítico é muito antigo na Igreja de Cristo. Assinalável desde os
primeiros séculos do cristianismo, conheceu, ao longo do tempo, alguns períodos
de mais intenso fervor. Na Itália do século XIV, enquanto a Igreja, ao mais
alto nível hierárquico, se debatia com problemas de extrema gravidade, o número
dos solitários não cessava de aumentar, a tal ponto que o eremita se tornou o
herói da época. .É agora seu ideal e fonte de inspiração a figura de S.
Jerónimo no deserto de Calcis, na Síria do Norte. Sob o seu patrocínio
florescem várias famílias religiosas como os Jesuatos ou Ordem hospitaleira dos
clérigos apostólicos de S. Jerónimo, fundada por João Colombini, em 1335; os
frades eremitas de S. Jerónimo fundados por Pedro Gambacorta; de Pisa, que
erigiram o primeiro mosteiro em 1380, em Montebello, perto de Urbino, e a
Congregação dos eremitas de S. Jerónimo fundada em 1360 por Carlos de
Montegranelli, em Fiesole. Com estes núcleos de eremitas vão fundir-se outras
pequenas comunidades: assim, os grupos dirigidos por Beltrano de Ferrara,
Nicolau de Forca Palena e de Angelo Córsega juntam-se à família de Gambacorta;
em 1406, o eremitério fundado em Siena por Gualtero Marso une-se ã Congregação
dos eremitas de S. Jerónimo. Mais tarde, no século XV, surge a Congregação da
Lombardia, de origem espanhola, resultante de uma cisão da ordem dos Jerónimos
em Espanha, provocada pelo segundo Geral, Lope Olmedo (foi eleito, em 1418,
segundo Geral da Ordem de S. Jerónimo em Espanha; professo de Guadalupe, foi
condiscípulo do futuro papa Martinho V, em Perugia; em 1415 toma parte, como
procurador do seu mosteiro, no primeiro capítulo geral; à frente da Ordem em
1418, reflectindo sobre o facto que considerou anómalo de os monges de S. Jerónimo
seguirem a Regra de Santo Agostinho dispõe-se a elaborar uma Regra composta de
extractos das obras de S. Jerónimo; a sua iniciativa não foi aceite pelos
monges; todavia, influente junto do pontífice, consegue deste, em 1424, uma
bula que o autoriza a fundar uma nova congregação, dita da observância; em 1428
a sua regra é aprovada; tenta reunir os dois ramos dos hieronimitas, mas em
vão; o pontífice permitiu-lhe ainda, em 1428,que passassem a nova observância os
monges que o quisessem fazer; contra a orientação de Olmedo reagiram os monges
primitivos que conseguiram do papa lhes conservasse as normas primitivas; o
ramo fundado por Lope Olmedo veio a ser conhecido por Isidros do nome do
mosteiro de Santo Isidoro del Campo de Santiponce; em 1567 os Isidros
uniram-se aos Jerónimos por ordem de Filipe II)
Questão
legítima e oportuna será agora a de saber qual a razão do despertar do interesse
pela figura de S. Jerónimo eremita, no século XIV. É verdade que o santo
exegeta nunca fora esquecido ao longo da Idade Média: Abelardo chama-lhe grande
Doutor da Igreja, honra da profissão monástica; Vicente de Beauvais no De
eruditione filiorum nobilium cita S. Jerónimo 148 vezes. Santo Agostinho 75
e Ovídio 60. Contudo, o outro lado desta personalidade rica e contrastante, o
do penitente, o do esceta, surge nesta época de maneira súbita como ideal. Onde
estará a razão desta descoberta? De imediato seríamos inclinados a pensar nos
humanistas. Mas parece que a simpatia dos humanistas pela figura do escritor,
simpatia que leva Erasmo a proclamar que S. Jerónimo deve ser preferido a todos
os padres gregos e latinos, é um pouco tardio que a descoberta do penitente.
Sabemos,
por outro lado, que atraiu também a atenção dos artistas que o representaram
com o chapéu cardinalício, com um seixo para se ferir no peito, com um livro,
com a trombeta do juízo final soando sobre a cabeça. Com excepção do livro,
estas representações iconográficas, mesmo a do leão domesticado que lhe vem de
S. Gerásimo, carecem de fundamento histórico e foram divulgadas pela Legenda
áurea de Jacques de Voragine. Todavia, esta ligação súbita à figura do
eremita resta por explicar; é anterior e parece-nos que deve ter tido outra
origem. O bolandista Joannes Stiltingus explica o facto pela influência que
teria exercido uma obra de larga difusão, escrita em 1346 por um célebre
jurista de Bolonha, Giovanni del'Andrea. Nessa obra, intitulada Hieronymianus,
del'Andrea propõe-se difundir o culto de S. Jerónimo pouco desenvolvido na
Península Itálica, do que, aliás, censura os seus compatriotas». In Cândido
Augusto Santos, Os Jerónimos em Portugal, Porto, Instituto Nacional de
Investigação Científica, Faculdade de Letras do Porto, Dissertação de
doutoramento em História Moderna e Contemporânea, 1977.
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