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Lisboa,
uma amante esquecida
«Falar
nos amores dos reis de Portugal sem abarcar a dinastia filipina deixaria
decerto um vazio na curiosidade do leitor que devemos preencher. Apesar de
muito já ter sido escrito a propósito da governação filipina, impõem-se algumas
considerações sobre a vida conjugal e extraconjugal dos Filipes, reis de
Portugal que governaram sem jamais residirem em Lisboa. A aproximação entre
príncipes portugueses e espanhóis foi, como temos vindo a verificar, uma
constante ao longo do período considerado. Citemos, a título de exemplo, o caso
de Manuel I, que casou com três princesas de Castela, ou o de seu filho João
III, com dona Catarina de Áustria. Por seu turno, recorde-se o casamento de Carlos
V com a imperatriz dona Isabel, filha de Manuel I, assim como o de Filipe II, I
de Portugal, com dona Maria Manuel.
Neste
sentido, após uma complexa crise sucessória Filipe II de Espanha, neto do Venturoso, viria a tornar-se rei de
Portugal. A Princesa Lisboa,
como vem referida em textos da época, foi acarinhada por Filipe I, que aí
residiu durante dois anos, mas que logo depois foi trocada pela corte
madrilena. Durante os sessenta anos em que a dinastia filipina reinou em
Portugal, nem os Filipes viram Lisboa nem Lisboa viu os Filipes, exceptuando a
breve visita de 1619. Esta amante assim abandonada e triste, qual viúva, reclamou
em 1619 a sua condição de esposa, jurando fidelidade ao seu marido
distante. No entanto, não conseguiu o efeito desejado e, em 1640, dá-se o divórcio
entre Portugal e Espanha.
O
casamento
Filho
da imperatriz dona Isabel e do imperador Carlos V, neto de Manuel I, Filipe
nasceu em Valladolid a 21 de Maio de 1527. O príncipe foi crescendo e em
adolescente a sua figura era já marcante: apesar de não ser muito alto, os seus
grandes olhos esverdeados, o rosto branco, os cabelos louros, conferiam-lhe a
aura altiva que desde cedo se revelou. Cresceu Filipe, como todos os outros
príncipes, numa corte povoada de mulheres bonitas. No entanto, o único caso
conhecido na adolescência, mas de difícil comprovação documental, foi uma
relação com uma dama de sua mãe, dona Isabel de Ossorio, que o carregara nos
braços desde a mais tenra infância. Até hoje não é claro o tipo de
relacionamento que existiu, daí que seja praticamente impossível avaliar o grau
de ligação entre esta dama experiente e o jovem príncipe.
Todavia,
estes amores, classificados de antinaturais, foram bastante comentados na época.
A tradição chega mesmo a afirmar que desta relação teriam nascido dois filhos,
Pedro e Bernardino, nunca reconhecidos pelo monarca. Certo é que dona Isabel de
Ossorio acabou por se afastar da corte após o casamento de Filipe e Maria
Manuela, auferindo, contudo, importantes rendas até à data da sua morte.
Pagamento por serviços prestados à Família Real ou marca do primeiro amor de um
jovem rei? Foi em 1542 que se negociou o seu casamento com a princesa dona Maria
Manuela de Portugal, sua prima direita. A união conjugal concretizou-se em 1543,
quando ambos os nubentes contavam 16 anos. A vida sexual do novo casal era tema
de preocupação constante, tanto por parte de Carlos V pai do jovem, como de dona
Catarina de Áustria, mãe da noiva. O convívio íntimo dos jovens esposos foi seguido
de perto e sofreu muitas influências cortesãs. Catarina de Áustria temia que
por razões políticas acusassem a sua filha de infidelidade, de modo a
inviabilizar a candidatura de um possível herdeiro à coroa de Espanha. Deste
modo, aconselhava sistematicamente a sua filha para que estivesse sempre
rodeada de mulheres e que nas noites em que o marido não dormisse na sua câmara
se fizesse acompanhar de pelo menos quatro ou cinco das suas damas.
Carlos
V temia, por seu turno, pela vida do filho, que demonstrava à época alguma
debilidade física. A preocupação era fundamentada, pois tratava-se do único
herdeiro do grande império habsburgo. Filipe não podia correr nenhum dos perigos
que uma vida sexual activa poderia acarretar dado o frágil estado de saúde do
príncipe. Para evitar que os dois jovens se entusiasmassem nas descobertas
próprias da idade, o aio do príncipe, Juan Zuñiga, era quem marcava os encontros
amorosos entre os esposos, decidindo o tempo adequado à relação, chegando mesmo
a separar-lhes as camas!» In Paula Lourenço (coord), Ana Cristina
Pereira, Joana Troni, Amantes dos Reis de Portugal, 2008, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2011, ISBN 978-989-626-136-8.
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