sábado, 3 de setembro de 2016

Vários casamentos e muitas amantes Filipe I de Portugal. Paula Lourenço (coord), Ana C. Pereira e Joana Troni. «… o único caso conhecido na adolescência, mas de difícil comprovação documental, foi uma relação com uma dama de sua mãe, dona Isabel de Ossorio»

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Lisboa, uma amante esquecida
«Falar nos amores dos reis de Portugal sem abarcar a dinastia filipina deixaria decerto um vazio na curiosidade do leitor que devemos preencher. Apesar de muito já ter sido escrito a propósito da governação filipina, impõem-se algumas considerações sobre a vida conjugal e extraconjugal dos Filipes, reis de Portugal que governaram sem jamais residirem em Lisboa. A aproximação entre príncipes portugueses e espanhóis foi, como temos vindo a verificar, uma constante ao longo do período considerado. Citemos, a título de exemplo, o caso de Manuel I, que casou com três princesas de Castela, ou o de seu filho João III, com dona Catarina de Áustria. Por seu turno, recorde-se o casamento de Carlos V com a imperatriz dona Isabel, filha de Manuel I, assim como o de Filipe II, I de Portugal, com dona Maria Manuel.
Neste sentido, após uma complexa crise sucessória Filipe II de Espanha, neto do Venturoso, viria a tornar-se rei de Portugal. A Princesa Lisboa, como vem referida em textos da época, foi acarinhada por Filipe I, que aí residiu durante dois anos, mas que logo depois foi trocada pela corte madrilena. Durante os sessenta anos em que a dinastia filipina reinou em Portugal, nem os Filipes viram Lisboa nem Lisboa viu os Filipes, exceptuando a breve visita de 1619. Esta amante assim abandonada e triste, qual viúva, reclamou em 1619 a sua condição de esposa, jurando fidelidade ao seu marido distante. No entanto, não conseguiu o efeito desejado e, em 1640, dá-se o divórcio entre Portugal e Espanha.

O casamento
Filho da imperatriz dona Isabel e do imperador Carlos V, neto de Manuel I, Filipe nasceu em Valladolid a 21 de Maio de 1527. O príncipe foi crescendo e em adolescente a sua figura era já marcante: apesar de não ser muito alto, os seus grandes olhos esverdeados, o rosto branco, os cabelos louros, conferiam-lhe a aura altiva que desde cedo se revelou. Cresceu Filipe, como todos os outros príncipes, numa corte povoada de mulheres bonitas. No entanto, o único caso conhecido na adolescência, mas de difícil comprovação documental, foi uma relação com uma dama de sua mãe, dona Isabel de Ossorio, que o carregara nos braços desde a mais tenra infância. Até hoje não é claro o tipo de relacionamento que existiu, daí que seja praticamente impossível avaliar o grau de ligação entre esta dama experiente e o jovem príncipe.
Todavia, estes amores, classificados de antinaturais, foram bastante comentados na época. A tradição chega mesmo a afirmar que desta relação teriam nascido dois filhos, Pedro e Bernardino, nunca reconhecidos pelo monarca. Certo é que dona Isabel de Ossorio acabou por se afastar da corte após o casamento de Filipe e Maria Manuela, auferindo, contudo, importantes rendas até à data da sua morte. Pagamento por serviços prestados à Família Real ou marca do primeiro amor de um jovem rei? Foi em 1542 que se negociou o seu casamento com a princesa dona Maria Manuela de Portugal, sua prima direita. A união conjugal concretizou-se em 1543, quando ambos os nubentes contavam 16 anos. A vida sexual do novo casal era tema de preocupação constante, tanto por parte de Carlos V pai do jovem, como de dona Catarina de Áustria, mãe da noiva. O convívio íntimo dos jovens esposos foi seguido de perto e sofreu muitas influências cortesãs. Catarina de Áustria temia que por razões políticas acusassem a sua filha de infidelidade, de modo a inviabilizar a candidatura de um possível herdeiro à coroa de Espanha. Deste modo, aconselhava sistematicamente a sua filha para que estivesse sempre rodeada de mulheres e que nas noites em que o marido não dormisse na sua câmara se fizesse acompanhar de pelo menos quatro ou cinco das suas damas.
Carlos V temia, por seu turno, pela vida do filho, que demonstrava à época alguma debilidade física. A preocupação era fundamentada, pois tratava-se do único herdeiro do grande império habsburgo. Filipe não podia correr nenhum dos perigos que uma vida sexual activa poderia acarretar dado o frágil estado de saúde do príncipe. Para evitar que os dois jovens se entusiasmassem nas descobertas próprias da idade, o aio do príncipe, Juan Zuñiga, era quem marcava os encontros amorosos entre os esposos, decidindo o tempo adequado à relação, chegando mesmo a separar-lhes as camas!» In Paula Lourenço (coord), Ana Cristina Pereira, Joana Troni, Amantes dos Reis de Portugal, 2008, Esfera dos Livros, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-626-136-8.

Cortesia ELivros/JDACT