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Ano 188
«Rand saltou da cama assim que os
primeiros raios de sol entraram no seu quarto. Ele correu para a sacada e abriu
a janela efusivamente, para admirar a silenciosa batalha entre a luz e as
trevas pelo controle do céu. Mais um dia nascia em Gorland e naquele dia Rand
conquistaria o seu maior objectivo até então, no alto dos seus onze anos de
existência. Com a mesma ansiedade que acordara, o menino se dirigiu até à casa
de banho para limpar o seu rosto e fazer as suas necessidades matutinas. Depois
ele trocou suas vestes e correu porta fora. Atravessou o corredor que ligava os
quartos e desceu a bela escadaria de madeira que ficava no centro da Mansão
Arns. Mas, quando ele pôs os pés no último degrau, Morgan, o principal criado da
casa, falou com a sua voz que que parecia sair do seio da terra: jovem mestre,
por favor, não corra tão cedo. A comida está posta, venha-se alimentar com
calma antes de sair. Rand suspirou fundo e balançou a cabeça concordando, mas
por dentro amaldiçoava o empregado que sempre parecia adivinhar seus
pensamentos. O menino observou a figura elegante de Morgan surgir no corredor à
direita da escada e o seguiu até a sala de jantar, onde a sua família costumava
ter as suas refeições. Justo no dia que seu pai havia viajado, após uma incomum
estada prolongada, Rand fora descoberto e agora perderia tempo comendo e
conversando com sua mãe até finalmente poder sair para brincar.
Ao chegarem à sala, Rand observou a mesa
que fora preparada para ele e sua mãe. A quantidade de comida posta não lhe
pareceu anormal, afinal ele fora criado naquelas condições, mas uma pessoa de
bom senso saberia que tamanha fartura poderia alimentar uma família inteira por
alguns dias na maior parte das residências da cidade. Rand, seu rosto está
vermelho e vejo que já está suando tão cedo. Espero que não estejas correndo
pela casa novamente, disse a voz serena e carinhosa de sua mãe. Como de costume
ela estava sentada no lado direito da cabeceira da mesa. Clare Arns fora mãe
muito cedo e Rand era fruto da sua segunda gravidez. Devido a complicações no
parto, ele seria filho único para o resto da sua vida. Talvez por isso ela
tenha amadurecido tão cedo e se tornado uma mãe zelosa, que muitas vezes limita
a inconstante audácia do filho. Enquanto se encaminhava para o seu lugar na
mesa, Rand ouviu a mãe dizer: precisa ser mais calmo, descer as escadas
correndo pode ser perigoso. Prometa-me que não vai mais fazer isso. Rand
assentiu para não preocupá-la, mesmo sabendo que correria daquela mesma maneira
assim que saísse de casa. Então o menino se serviu de um pedaço de bolo e um
copo de leite. Com mordidas vorazes devorou o delicioso bolo branco em
segundos. Rand, que pressa é essa? Engula direito a comida e não se esqueça de
comer algumas frutas. Sua mãe estava contra a janela e a luz da manhã iluminava
seus cabelos dourados. O menino captou o olhar dela e sorriu. Já Clare, por sua
vez, devolveu o sorriso e se dirigiu a uma das criadas pedindo mais chá. Rand
pegou a maçã que parecia ser a mais vermelha da safra e a mordiscou sem
vontade. Vai sair com seus amigos?, indagou Clare voltando-se para o filho.
Sim, vamos brincar no parque, respondeu
Rand, um pouco nervoso. E vão ficar por lá?, perguntou sua mãe com sagacidade. A
astúcia dela o pegou desprevenido. Rand não gostava de mentir para sua mãe, por
isso ele acabou balançando os ombros como resposta, como se o assunto não
tivesse importância. Você lembra o que o seu pai disse antes de sair?,
perguntou Clare. Ele não quer que você ande por aí com aqueles Nuond e os
amigos deles. Rand suspirou. Seu pai vivia colocando limitações para com quem
ele deveria brincar ou não. E fazer parte do grupo de Kevin Nuond era tudo o que
Rand mais desejava. Kevin e seus amigos faziam o que lhes interessava sem dar
explicações a ninguém. Não se limitavam as brincadeiras infantis que as outras
crianças repetiam todos os dias no parque. Mãe, eu sei me cuidar e eu escutei o
que o pai disse, mas naquele dia Roland Arns não estaria em casa para se
preocupar com o que Rand iria fazer ou não.
Clare franziu a testa ao ouvir o
comentário, mas não insistiu no assunto. Rand agradeceu por isso e terminou a
sua refeição. Enquanto o menino se erguia para deixar a mesa, ela falou: tem a
manhã toda para brincar lá fora, mas à tarde, Alam virá para acompanhar os seus
estudos. Tente não se sujar muito, está bem? Rand bufou, ele detestava aquela
rotina incessante de estudos que era submetido. Todos os dias durante as manhãs
e as tardes ele estudava História, Matemática, tradição, línguas e treinava seu
corpo para o uso da espada, do arco, ou para nadar e cavalgar. Era o único que
tinha tamanha rigidez em suas tarefas, por sorte naquela manhã seu tutor tivera
que resolver outros assuntos, com isso Rand poderia aproveitar a manhã, não
apenas algumas horas. E Rand, lembre-se que na ausência do seu pai, o seu tio é
o responsável pela nossa casa, disse Clare. Por isso não faça nada que eu
precise da ajuda dele para resolver, não quero que ele tenha pretextos para vir
aqui na ausência de Roland». In CG Fleck, Legado do Vento, Wikipédia.
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