sábado, 1 de junho de 2013

A Alma Secreta de Portugal. Portugal Imaginal. A ‘Fonte’ da Alma Secreta. «O esoterismo, de facto, faz parte da estruturada sua obra, da sua vida, não é um interesse marginal, não é uma brincadeira, não é, um adorno. Faz parte das suas inquietações profundas»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Talvez caiba a nós, portugueses, por tradição histórica realizadores das tarefas impossíveis para os homens do seu tempo, exercer no Atlântico, lago da civilização do terceiro milénio, a função da Grécia (…) no primeiro milénio a. C., descobrir a síntese civilizacional que nos encaminhe para a fraternidade (…) na paz e na prosperidade dos homens de boa vontade». In Paulo Vallada.

A Quinta da Regaleira e o Portugal Imaginal. Entrevista com José Manuel Anes 2ª Parte. Da evidência da Identidade Imaginal Portuguesa à necessária Re-criação da tradição

(...) a perenidade dessas lendas e desses mitos, em Portugal, como nos outros países da Europa, é o garante da sua energia, da sua vitalidade. Direi mesmo mais: essa quina imaginal que acabamos de definir, constitui, na verdade, a base dos valores sobre os quais assenta, sob pena de desaparecimento,a Europa inteira». In Gilbert Durand


Paulo: Encontrámos esta ideia de um Portugal Imaginal num dos seus trabalhos, no qual aplicou a estrutura do imaginário, proposta por Durand, aos grandes temas da tradição mítica portuguesa. Estou convicto de que há uma relação muito grande entre temas fundamentais do Portugal Imaginal e a Quinta da Regaleira. Recordando a máxima de Hermes Trismegisto como é em cima, é em baixo; como é em baixo, é em cima, parece-me, de certo modo, ver na Quinta da Regaleira uma manifestação física do Portugal Imaginal. Na actualidade, Portugal é evidentemente um país com uma mítica muito forte, embora, paradoxalmente, ela seja hoje quase negada. Encontro até muita gente com vergonha de se afirmar português. Nega-se que exista quase uma particularidade do ser português, mas penso ser evidente que esta mítica existe. Não sei qual é a sua opinião.
José: Evidentemente que existe.
Paulo: Na sua tese sobre o Portugal Imaginal, e na sua relação com os regimes diurno e nocturno, coloca a saudade e o sebastianismo no nocturno e, no diurno, o Culto do Espírito Santo e o Quinto Império.
José: Ora bem, isto é um tema que foi uma proposta que eu fiz, e pus em analogia esse esquema da alquimia nacional com o esquema da alquimia laboratorial.
Paulo: Tanto a saudade como o sebastianismo são passivos. O sebastianismo espera o rei Sebastião e a saudade sente a ausência do futuro ou do passado, mas é passiva, Yin No entanto, o Culto do Espírito Santo é activo, convida todos à participação. A ideia do Quinto Império, vista como uma ideia de o construir, é activa.
José: A saudade não está explicitada, é uma ausência, é uma dimensão de ausência, uma coincidência de ausência que ainda não está explicitada. Portanto, é o feminino absoluto, é o nocturno absoluto. Depois, o sebastianismo, já é ausência de algo explicitado. Mas vamos mais longe, vamos transcender o rei Sebastião e ascender ao Encoberto, que é essa dimensão do algo que está em vias de chegar, ou que é preciso que chegue. Nesse sentido, o sebastianismo estabelece a ponte entre o nocturno absoluto e algo de diurno que está para surgir. Depois, certamente nessa matriz, desce o Espírito Santo, o Espírito Universal dos alquimistas. Aí está ele a descer, essa matéria aberta, essas saudades do futuro, essa matéria interior, essa alma nacional e, de seguida, uma vez descido esse Espírito Santo, caminha-se para a idade do ouro simbolizada pelo Quinto Império. Não é apenas um mito nacional português, mas nós valorizamo-lo muito bem e faz parte de todo o nosso imaginário. Nesse sentido, eu penso que há aqui um processo dinâmico deste imaginário português, nas suas diversas componentes complementares, que tem de facto uma dinâmica própria e que, uma vez posto em marcha, tal como o processo alquímico, conduz a essa abertura, pelo menos imaginal, interior... Mas, em relação à questão do Portugal Imaginal, volto a evocar o Lima de Freitas e a sua memória, o meu querido amigo que muito me instruiu e muito me motivou para este tipo de estudos. Era um homem de grande dimensão. Não é por acaso que tem um livro publicado intitulado Lisboa Imaginal.
Paulo: Um dos seus últimos trabalhos devem ter sido os azulejos da Estação do terminal do Rossio...
José: Exactamente. Esse testamento em azulejos, magnífico. De facto, assim como é importante valorizar o imaginário, é importante valorizar o mítico. Não é a mistificação, mas sim a mitificação. A mitificação, se não somos nós que a fazemos, podem ser outros com intenções mais malévolas de poder e de domínio, que a vão fazer. Porque o homem é um terreno propício à mitificação. Fernando Pessoa confessava e afirmava a sua condição de estimulador de almas. Ele era de facto um mitificador, não era um mistificador.
Paulo: Aliás, Fernando Pessoa afirmou mesmo. Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério maior que pode obrar alguém da humanidade.
José: Exactamente. A criação do espírito humano. Aqui estamos na Regaleira, num espaço que está feito de tal maneira que é um convite à mitificação. Eu respondi a esse convite através dos meus estudos, fornecendo elementos que me parecem plausíveis e que na vertente esotérica foram caucionados pelo professor Antoine Faivre, aqui mesmo, neste lugar, aquando desse colóquio de 1999, na Faculdade de Letras. Mas, de facto, são propostas e não tenho garantias, não há documentos. São propostas! Mas são propostas que existem, que me parecem correctas. Não nos esqueçamos de que os símbolos são factos, como o é o seu enquadramento cultural. Tudo isso são factos. Nesse sentido, penso que temos em Fernando Pessoa um grande mitificador, um dos mais interessantes...
Paulo: Consegue reactualizar a mítica portuguesa...
José: Claramente. E integrá-la numa modernidade, ou mesmo numa pós-modernidade, avant la lettre. Fernando Pessoa é, de uma modernidade extraordinária, precisamente nesse campo imaginário e do mítico.
Paulo: Mas é só agora que leio um texto da Paula Costa a dizer: Não, não, o Pessoa não estava interessado em assuntos esotéricos. O centro dele mesmo é o esoterismo
José: O esoterismo, de facto, faz parte da estruturada sua obra, da sua vida, não é um interesse marginal, não é uma brincadeira, não é, um adorno. Faz parte das suas inquietações profundas. Não é um pretexto para a literatura, está no fundamento da sua literatura».

In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.

Cortesia de Ésquilo/JDACT