A Montagem de uma Conspiração.
Debates
de Comando e Direcção
«(…) Como se não bastassem estas assimetrias de funcionamento, o visconde
de Queluz louvava, por carta, em nome de Miguel,
os trabalhos parlamentares de Caetano Beirão e o corpo redactorial do Portugal Velho. Na verdade, esta
orientação nacional de Miguel acabava por ter efeitos
contraproducentes. E que se estava a legitimar duas posturas completamente
opostas quanto à Restauração. Esta compreensível ambiguidade que tentava reunir
em redor do monarca exilado o campo miguelista no seu conjunto, não trazia
vantagens politicamente visíveis. O que é certo é que era motivo de dúvidas e
perplexidades, para os que estavam tentados em organizar as bases logísticas
para um movimento sedicioso contra o Estado liberal. Com efeito, a J.N. não
podia representar o campo miguelista no seu conjunto. Os objectivos que
nortearam a sua formação supunham até uma actuação absolutamente reservada. A
desconfiança em relação aos miguelistas mais contaminados pelo sistema impedia que a sua cooperação fosse
solicitada. O problema da unidade dos legitimistas continuava, por consequência,
em aberto. Havia consciência disso e os notáveis de Lisboa faziam esforços para
prover à criação de uma estrutura unitária, um centro cuja liderança fosse
susceptível de congregar as duas correntes de opinião realista e,
simultaneamente, possibilitasse uma efectiva organização do partido. Esta proposta contemplava, de
acordo com a doutrina oficial, uma articulação com o Centro de Londres,
igualmente de nomeação régia.
Quanto à liderança o nome que reunia consenso geral, era o conde de
Barbacena. Tratava-se de uma personagem de reconhecido prestígio entre os
miguelistas de Lisboa, mas de uma postura bastante reservada e de difícil
acesso. Pensava-se que só o próprio Miguel,
pela via epistolar, conseguiria demovê-lo. Para a organização do partido começa-se a discutir a ideia de
uma sociedade secreta como instrumento de disseminação da sua influência. Ao
que parece os defensores desta solução encontravam-se, pelo menos nesta altura
(Agosto de 1843), do lado da corrente
eleitoral. Era o caso de Caetano Beirão que a colocava como alternativa a uma organização de força, ou seja,
uma estrutura preparatória de um movimento armado de Restauração. O conde de
Barbacena e outros notáveis miguelistas da capital mantinham claras reservas em
relação ao centro de Londres e, por extensão, à própria J.N. Miguel procurava demover essas
reticências, através de correspondência directa. O discurso oficial considerava
que era de todo o interesse a melhor
intelligencia e perfeito accordo entre os nossos amigos, devendo ter confiança
nos que se achão revestidos da necessária autoridade, e ajudal-os em tudo
quanto possão [...]. O que é certo é que o paralelismo existente,
sancionando uma ambiguidade de direcção, se tornava nocivo para a eficácia da
J.N., porque fazia supor que as propostas vindas de Londres não representavam
genuinamente a opinião de Miguel e,
como tal, a desconfiança impunha-se. Assim, não era possível estabelecer um
sistema de acção, dada a inexistência de um polo de obediência indiscutível. O
resultado é que tudo se quer descutir,
todos querem saber tudo, todos querem mandar [...]. Vilar de Perdizes tinha
consciência de que era necessário encontrar uma fórmula de unidade respeitável, capaz de diluir as
resistências e a desconfiança que um número considerável de notáveis
miguelistas da capital mantinham em relação a António Ribeiro Saraiva. Como já
foi apontado a única solução consensual, digamos assim, era representada por
uma chefia exercida pelo conde de Barbacena. Contudo, este não se mostrava
muito interessado num envolvimento directo. Preferia uma conduta de influência
discreta, mas distante, guardando o seu empenhamento activo para uma conjuntura
mais oportuna.
Não obstante, os esforços da unidade continuavam, visando a indispensável
articulação entre o Centro de Londres e o tutelar chefe miguelista. O agente de
Ribeiro Saraiva oferecia ao conde, através de José Custódio Sá, uma total
disponibilidade para aceitar as suas directivas e conselhos e não receava
mostrar-lhe o arquivo da correspondência. Os resultados destas diligências não
foram, como era de esperar, extraordinários. Todavia, conseguiu-se uma certa
abertura, a qual tornava virtualmente possível uma colaboração por via
indirecta. A entrada de João Castelo Branco para a J.N. oferecia, aliás, possibilidades
de aproximação com Barbacena, por seu intermédio. Deve dizer-se que estas
dificuldades de contacto não significavam uma reserva meramente pessoal. Apesar
de um diálogo, ainda que indirecto, já ser possível, o distanciamento do conde
de Barbacena enuncia uma posição quanto ao movimento restaurador. No seu
entender a conjuntura externa não era favorável e um avanço excessivo dos
trabalhos de organização trazia riscos de comprometimento muito superiores às
hipóteses de sucesso. Era uma questão de oportunidade. Quanto ao mesmo
problema, a posição de Vilar de Perdizes era completamente oposta, pois
defendia a intensificação dos procedimentos preparatórios: [...] se a occazião não era oportuna para fazer o movimento, nem por
isso era prejudicial, antes indispensável, [...] que elle se preparace com a antecedencia
necessaria [...]. Apesar de tais divergências, a confiança ia ganhando
terreno e os planos do Centro de Londres passavam a contar com a cooperação de outros
notáveis da capital. Era o caso de Martim Freitas, general de cavalaria, que
nas autorizações de Miguel vinha a
seguir a Barbacena, com possibilidades de o substituir. Sem dúvida, tratava-se
de uma aquisição significativa que permitia, de alguma forma, compensar a postura
especial deste último. Não sabemos ao certo se ingressou oficialmente na J.N.,
embora seja tomado como membro da mesma. Mas o mais importante é que a sua
colaboração se tornou regular». In José Brissos, A Insurreição Miguelista
nas Resistências a Costa Cabral (1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa,
Edições Colibri, 1997, ISBN 972-8288-80-8.
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