A Montagem de uma Conspiração.
Debates
de Comando e Direcção
«(…) Para assegurar uma articulação funcional com o reino decidiu-se fomentar
a criação de uma estrutura intermédia, em Lisboa. Para a realização deste
objectivo avulta o papel fundamental de António Sousa Pereira Coutinho, morgado
de Vilar de Perdizes, antigo correspondente de Macdonell e que passará a ser a
partir de 1842 o principal agente de
Ribeiro Saraiva em Portugal, desenvolvendo uma intensa actividade em prol da
conspiração miguelista durante todo o período em estudo. Assim, depois das
diligências iniciais ficava instituída, em Lisboa, a intitulada Junta Central Promotora da Restauração
Constitucional da Monarchia, logo em seguida designada por Junta Nacional.
Na sua composição entrava desde logo, evidentemente, Vilar de Perdizes, na
qualidade de Membro Primeiro,
sendo prevista a entrada de mais dois elementos. Deve dizer-se, desde já, que o
processo de constituição definitiva da Junta Nacional (doravante J. N.) se
arrastou até 1844, apesar dos
persistentes esforços do seu elemento mais proeminente: … esta gente accorda do longo letargo em que jazeu, nada tendo aprendido,
nada tendo esquecido, 9 annos de nullidade e somnolencia reforsou-lhe a ambição
e a vaidade.
O que estava em causa na escolha dos membros da J.N. era o seu prestígio
e influência, de forma a que a sua actividade alargasse a audiência à mensagem
miguelista, tornando possível a disseminação do plano conspiratório e
respectivas condições de mobilização. Começou por ser proposto o desembargador
João Cunha Neves e Carvalho Portugal, mas o seu reduzido dinamismo, terá
levado, ao que supomos, à sua substituição. Em Setembro de 1844 a J.N., além de Vilar de Perdizes, integrava José Lencastre e
João Castelo Branco. O objectivo era que a J.N. funcionasse em Lisboa como um Centro de Acção que com o outro [o de Londres] vá de acordo,
e seja como o tronco da grande organização de agencias os nervos activos, que
pelo mesmo reino devem ser espalhados e ramificados mais e mais; para em tempo
competente e occasião, se poder comunicar a todo o systema impulso e movimento
uniformes, combinados, e simultaneos, por onde se obtenha e assegure o dito fim
geral a que nos propomos. Ou seja, estava proposto um quadro geral de
conspiração coordenado a partir de Lisboa, confiando-se na possibilidade de
levantar, simultaneamente, depois dos trabalhos regionais preparatórios, todas
as áreas da província. Deste modo à Junta de Lisboa era atribuído um papel
dirigente, até porque pretendia passar, de certa forma, por ser representante
da legalidade miguelista. Com
tais funções e objectivos, não restam dúvidas que uma das condições decisivas
para a sua eficácia era a unidade entre os miguelistas.
Como sabemos essa unidade não existia. Além da clara divisão entre as
correntes eleitoral e conspiratória, outros factores como rivalidades pessoais,
querelas de prestígio, etc., serão sérios obstáculos ao andamento dos esforços
da Restauração. O quadro em que Vilar de Perdizes desenvolvia a sua incansável actividade
exploratória, o meio miguelista de Lisboa, apresentava as maiores dificuldades,
dado que incluía um conjunto de personalidades cuja postura habitual era uma
prudente e distante reserva. O seu miguelismo tinha-se tornado, por assim
dizer, uma atitude sentimental de fidelidade destituída de um real alcance
prático. Passava a ser uma posição coerente de divergência face ao sistema, mas
não propriamente fautora, em geral, de processos de insurreição para a
conquista do poder. Será esta, aliás, a base da futura ascendência da opção
eleitoral. Neste universo realmente condicionante, Vilar de Perdizes defrontava,
além dos entraves já referidos, um outro elemento de perturbação. Era a
correspondência que a corte de Roma
estabelecia directamente com diversos notáveis realistas da capital, autorizando-os
a diligenciar no sentido da Restauração. A margem de actuação do agente de
Ribeiro Saraiva envolvia um claro risco de sobreposição com outras legitimidades,
o que estava longe de ser, politicamente, o mais aconselhável.
Tratava-se de anteriores nomeações visando a criação, em Lisboa, de um
centro coordenador da resistência miguelista. Com efeito, em Março de 1837 havia sido formada uma Junta
composta por Francisco José Vieira, João Cunha e Henrique Sousa Mafra, coronel
de artilharia. Oficialmente tal autoridade não chocava com as atribuições da
J.N.. O que se tornava necessário era providenciar a aproximação entre estas
duas componentes da legalidade
miguelista. Todavia, Ribeiro Saraiva não deixou de exprimir junto de Miguel os inconvenientes desta justaposição
de jurisdições e os seus efeitos negativos na montagem do movimento
restaurador. Evidentemente que tais autorizações colocavam Vilar de Perdizes numa
posição melindrosa, até porque o círculo de contactos pessoais de intenção
conspiratória era, por razões óbvias, extremamente restrito e cauteloso. Uma
tal situação podia envolvê-lo numa querela de antiguidade e precedências de
efeitos absolutamente paralisantes, tanto mais que estavam em causa personagens
de grande importância como o conde de Barbacena: … Este novo poder derroga em regra de direito todo o anterior, salvas as condiçoens
d'elle, as quaes ignoro, e por sua quallidade expecial salvas sempre as
condiçoens, que ignoro, sera e procurará ser sempre suprior, e independente.
Esta criação de legitimidades paralelas e, na prática, contraditórias, revelar-se-ia
altamente nociva para os esforços de organização e de alargamento das
influências». In José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa
Cabral (1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN
972-8288-80-8.
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