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O interesse alemão no Atlântico português
«(…) Este pedido inglês revelava até que ponto as ilhas atlânticas começavam
a ter papel decisivo no contexto da corrida anglo-alemã e no interesse
demonstrado pelos alemães em obter bases na costa atlântica marroquina. Com
este pedido, os britânicos mostravam o quanto receavam uma eventual influência
alemã ou francesa nas ilhas atlânticas, já que um empréstimo a Portugal,
garantido pelos rendimentos das ilhas Atlânticas, poderia abrir as portas a
estes para um domínio, mesmo se indirecto, nas ditas ilhas, pondo em perigo, segundo
alguns círculos navais britânicos, as rotas navais inglesas. Os britânicos
tinham razões para temer a influência germânica em Portugal já, que a opinião
pública portuguesa vivia ainda marcada pela corrente antibritânica causada pelo
Ultimatum
inglês de 1890. O Ultimatum
tinha levado ao descrédito da Monarquia, com o consequente aumento do número de
apoiantes dos republicanos, que utilizavam o ideal de uma missão
lusa-ultramarina para fazer propaganda contra a Monarquia. Assim, aquando da Guerra
dos Boers (1899-1902), os jornais portugueses expressaram geralmente opiniões
antibritânicas, o que tinha largo eco no povo português. Só o rei e alguns dirigentes
portugueses não pareciam compartilhar de tal sentimento. Difundira-se
largamente no País, a ideia que era necessário libertar Portugal da tutela
inglesa, sendo alguns da opinião que isso se poderia realizar com uma
aproximação do Império Alemão. Segundo a historiadora portuguesa, Sacuntala
Miranda: (...) existe em Portugal por
todo o século XX, um corpo de opinião importante, cuja extensão e influência é
difícil de avaliar, que nutre em relação à Alemanha uma admiração crescente.
Mercê da sua posição geográfica privilegiada, Portugal era encruzilhada
de duas rotas atlânticas, a da África e a das Américas, e da rotas
mediterrânicas. Lisboa, centro de comércio colonial, abria-se à penetração de
várias influências, como a alemã. A importância de Portugal e das suas ilhas
atlânticas e colónias não era de desprezar e o seu valor estratégico
mostrava-se crucial no quadro da rivalidade naval anglo-alemã.
NOTA: A 11 de Janeiro de 1890,
Georges Glynn Petre, ministro da Inglaterra em Lisboa, apresentou ao Ministério
dos Negócios Estrangeiros português uma intimidação do seu governo para a saída
imediata das forças militares portuguesas do Chire e das regiões
habitadas pelos Macocolos e Machonas. Tratava-se de um Ultimatum
ao Governo português. A esquadra inglesa que estava em Gibraltar preparava-se
para seguir para a África Austral se o Governo português não recuasse. Perante
a cedência à ameaça inglesa, a opinião pública culpou o rei de ser subserviente
aos interesses britânicos.
A preocupação britânica de que os rendimentos das ilhas atlânticas
portuguesas não fossem tidos como uma das garantias a um crédito para um
empréstimo estrangeiro a Portugal levava, já em 1898, Salisbury a pedir ao marquês de Soveral, o ministro plenipotenciário
português em Londres, para que o Governo português retirasse os rendimentos das
ilhas adjacentes das negociações sobre um crédito externo. Nesta época, o que
mais interessava aos britânicos era salvaguardar as ilhas atlânticas da
influência de uma outra potência estrangeira. Num telegrama de Soveral ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros de Novembro de 1898, este relatava a conversa que tivera com Salisbury a este
propósito: … nestas circunstâncias [do
empréstimo externo a Portugal] parece-lhe [a Lord Salisbury] perigoso conferir
a uma qualquer terceira potência um direito de ingerência que necessariamente
derivaria dos rendimentos das alfândegas dessas ilhas.
Ora a terceira potência
temida por Salisbury não podia ser senão a Alemanha, a França ou os E.U.A. Se
uma destas potências conseguisse influência nas ilhas atlânticas portuguesas ou
espanholas, como os Açores, a Madeira ou as Canárias, as rotas britânicas de acesso
ao Mediterrâneo ocidental pelo Atlântico poderiam vir a ser ameaçadas. Não é
pois por acaso que, no mesmo telegrama, o arguto diplomata desse importância ao
facto de o Governo espanhol ter aceitado as exigências americanas do pós
guerra, sob ameaça de que, se estas não fossem cumpridas, as ilhas Canárias
ficariam em perigo». In Gisela Medina Guevara, As Relações
Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da
ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997,
ISBN 972-8288-70-0.
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