domingo, 3 de novembro de 2013

As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial. Gisela Medina Guevara. «A 11 de Janeiro de 1890, o ministro da Inglaterra em Lisboa, apresentou ao MNE português uma intimidação do seu governo para a saída imediata das forças militares portuguesas do Chire e das regiões habitadas pelos Macocolos e Machonas»

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O interesse alemão no Atlântico português
«(…) Este pedido inglês revelava até que ponto as ilhas atlânticas começavam a ter papel decisivo no contexto da corrida anglo-alemã e no interesse demonstrado pelos alemães em obter bases na costa atlântica marroquina. Com este pedido, os britânicos mostravam o quanto receavam uma eventual influência alemã ou francesa nas ilhas atlânticas, já que um empréstimo a Portugal, garantido pelos rendimentos das ilhas Atlânticas, poderia abrir as portas a estes para um domínio, mesmo se indirecto, nas ditas ilhas, pondo em perigo, segundo alguns círculos navais britânicos, as rotas navais inglesas. Os britânicos tinham razões para temer a influência germânica em Portugal já, que a opinião pública portuguesa vivia ainda marcada pela corrente antibritânica causada pelo Ultimatum inglês de 1890. O Ultimatum tinha levado ao descrédito da Monarquia, com o consequente aumento do número de apoiantes dos republicanos, que utilizavam o ideal de uma missão lusa-ultramarina para fazer propaganda contra a Monarquia. Assim, aquando da Guerra dos Boers (1899-1902), os jornais portugueses expressaram geralmente opiniões antibritânicas, o que tinha largo eco no povo português. Só o rei e alguns dirigentes portugueses não pareciam compartilhar de tal sentimento. Difundira-se largamente no País, a ideia que era necessário libertar Portugal da tutela inglesa, sendo alguns da opinião que isso se poderia realizar com uma aproximação do Império Alemão. Segundo a historiadora portuguesa, Sacuntala Miranda: (...) existe em Portugal por todo o século XX, um corpo de opinião importante, cuja extensão e influência é difícil de avaliar, que nutre em relação à Alemanha uma admiração crescente.
Mercê da sua posição geográfica privilegiada, Portugal era encruzilhada de duas rotas atlânticas, a da África e a das Américas, e da rotas mediterrânicas. Lisboa, centro de comércio colonial, abria-se à penetração de várias influências, como a alemã. A importância de Portugal e das suas ilhas atlânticas e colónias não era de desprezar e o seu valor estratégico mostrava-se crucial no quadro da rivalidade naval anglo-alemã.

NOTA: A 11 de Janeiro de 1890, Georges Glynn Petre, ministro da Inglaterra em Lisboa, apresentou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português uma intimidação do seu governo para a saída imediata das forças militares portuguesas do Chire e das regiões habitadas pelos Macocolos e Machonas. Tratava-se de um Ultimatum ao Governo português. A esquadra inglesa que estava em Gibraltar preparava-se para seguir para a África Austral se o Governo português não recuasse. Perante a cedência à ameaça inglesa, a opinião pública culpou o rei de ser subserviente aos interesses britânicos.

A preocupação britânica de que os rendimentos das ilhas atlânticas portuguesas não fossem tidos como uma das garantias a um crédito para um empréstimo estrangeiro a Portugal levava, já em 1898, Salisbury a pedir ao marquês de Soveral, o ministro plenipotenciário português em Londres, para que o Governo português retirasse os rendimentos das ilhas adjacentes das negociações sobre um crédito externo. Nesta época, o que mais interessava aos britânicos era salvaguardar as ilhas atlânticas da influência de uma outra potência estrangeira. Num telegrama de Soveral ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Novembro de 1898, este relatava a conversa que tivera com Salisbury a este propósito: … nestas circunstâncias [do empréstimo externo a Portugal] parece-lhe [a Lord Salisbury] perigoso conferir a uma qualquer terceira potência um direito de ingerência que necessariamente derivaria dos rendimentos das alfândegas dessas ilhas.
Ora a terceira potência temida por Salisbury não podia ser senão a Alemanha, a França ou os E.U.A. Se uma destas potências conseguisse influência nas ilhas atlânticas portuguesas ou espanholas, como os Açores, a Madeira ou as Canárias, as rotas britânicas de acesso ao Mediterrâneo ocidental pelo Atlântico poderiam vir a ser ameaçadas. Não é pois por acaso que, no mesmo telegrama, o arguto diplomata desse importância ao facto de o Governo espanhol ter aceitado as exigências americanas do pós guerra, sob ameaça de que, se estas não fossem cumpridas, as ilhas Canárias ficariam em perigo». In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.

Cortesia Colibri/JDACT