(...) eu preferi abandonar
pátria, família, empregos e bens; eu perdi bastante, mas não perdi tudo, porque,
bem
pouco perde quem conserva a honra.
«A primeira metade do século XIX foi um dos períodos mais agitados e
turbulentos da nossa História, em que as intervenções estrangeiras e os confrontos
ideológicos assumiram, por vezes, a forma de guerra efectiva. A implantação do
liberalismo em Portugal revelou-se um processo conturbado e doloroso, gerador
de cisões profundas na sociedade portuguesa que tiveram como momento decisivo e
mais traumático a Guerra Civil que decorreu, de modo intermitente, desde 1822 e, de forma continuada, de 1832
a 1834. De um lado e de outro distinguiram-se figuras notáveis, coerentes
e abnegadas que tudo sacrificaram em prol dos seus ideais e do modelo de
sociedade que tinham como mais conveniente para o seu país. Naturalmente que a
História é escrita pelos vencedores, cabendo aos vencidos um papel secundário
de palhaço pobre, são outro
que corporiza todos os vícios e todos os males e que, por isso mesmo, merece
antecipadamente a derrota. Visão simplista esta que justifica a vitória de uns
pela posse exclusiva da razão quando, afinal, existem várias razões, e o seu triunfo
não se explica, necessariamente, pela justeza dos postulados.
Quando estudamos as Guerras Liberais, imediatamente emergem uns quantos
nomes de protagonistas de primeiro plano no campo liberal, sobre os quais
existe uma abundante bibliografia, Palmela, Sá da Bandeira, Terceira,
Saldanha... - Ficando muitos outros na penumbra do desconhecimento. O mesmo já
não sucede com o campo miguelista e com as suas figuras cimeiras. Se
exceptuarmos Miguel, sobre quem
existe uma abundante bibliografia alimentada por um certo culto que se prolongou
até ao presente século, são raros os estudos sobre os seus apoiantes mais
destacados. O caso do visconde de Santarém é uma excepção, centrando-se o
interesse dos autores mais na sua obra como historiador. Outros destacados
miguelistas foram estudados mais na vertente de teóricos da contra-revolução.
Faltam estudos sobre os estadistas, os militares e os eclesiásticos miguelistas,
excepção para José Agostinho Macedos e frei Fortunato de São Boaventura, tanto
até 1834 como no período subsequente
à derrota em que sobressai o incansável labor de António Ribeiro Saraiva.
Centenas e centenas de liberais de todas as tendências partilharam as agruras
do exílio e a glória da vitória, depois de tanto sofrimento, apenas constando
de notas marginais nas obras clássicas sobre aquela época. O exílio liberal foi
terrível, como todos os exílios políticos, agravado pela hostilidade de alguns
governos europeus que toleravam de má vontade a presença desses portugueses
expatriados, e, ainda mais, pelas divisões que lavraram entre eles,
justificadas umas por razões do foro ideológico e outras por ódios e
rivalidades pessoais. A maior parte da enorme produção literária dada à estampa
na emigração está relacionada com disputas e querelas fratricidas...
Vitorino Nemésio escreveu uma obra notável sobre a vida dos emigrados
liberais e do seu longo calvário até ao triunfo final; nessas páginas surgem,
aqui e ali, nomes de personagens de segundo plano que carecem de um estudo mais
aprofundado. Um deles é o 3.º conde de Alva, depois 1.º marquês de Santa Iria,
um aristocrata e militar distinto, considerado e relacionado com algumas das
melhores famílias do reino e que nos propomos estudar.. Ao mesmo tempo,
publicamos um interessante conjunto de cartas suas escritas durante o exílio e
a guerra civil, dirigidas a sua cunhada, D. Teresa Sousa Holstein, condessa de
Vila Real, que são documentos pungentes onde se reflecte o drama pessoal do expatriado,
profundamente marcado por dramas familiares, mas também o evoluir do conflito.
Cremos que será mais um contributo valioso para a História de Guerra Civil e
do exílio liberal.
O 3.º conde de Alva e 1º marquês de Santa Iria
A morte sem descendência dos primeiros condes de Alva, João Sousa Ataíde
e D. Constança Luísa Monteiro Paim, 3.ª Senhora do morgado de Alva, fez com que
o título passasse para a irmã da condessa, D. Maria Antónia de S. Boaventura
Meneses Paim, a qual casou com Rodrigo Sousa Coutinho, filho segundo dos 11.os
condes de Redondo. Deste consórcio nasceram sete filhos, mas só dois com descendência:
Francisco Inocêncio Sousa Coutinho Meneses Monteiro Paim, progenitor dos condes
de Linhares e dos marqueses do Funchal, e seu irmão gémeo, Vicente Roque José
Sousa Monteiro Paim, senhor do morgado de Alva, capitão do regimento de Dragões
de Chaves e diplomata nas cortes de Paris e Turin. Este último casou duas
vezes. A primeira com D. Teresa Vital Câmara Coutinho, filha dos 9.os senhores
das Ilhas Desertas, de quem teve uma filha, D. Isabel Juliana Bazeliza José
Sousa Coutinho Paim, mãe do duque de Palmela». In António Ventura, O Exílio, os
Açores e o Cerco do Porto, D. Luís Sousa Coutinho, primeiro marquês de Sta
Iria, nas Guerras Liberais, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-138-9.
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