«A I República é um dos períodos fulcrais da história contemporânea de
Portugal. Esse regime, que nasceu nas jornadas revolucionárias de 4 e 5 de Outubro de 1910, percorreu uma
via dolorosa de 16 anos, abreviada pelo movimento militar de 28 de Maio de
1926, conheceu sobressaltos, equívocos, realizações louváveis a par de
outras meramente superficiais. E, sobretudo, desperdiçou um grande capital de
esperança. De entre os dirigentes republicanos que, a partir do Regicídio, prepararam com maior
empenhamento o advento do novo regime, tanto na propaganda aberta, na imprensa,
nos comícios ou nas conferências, como nos obscuros meandros das organizações
secretas, Eusébio Leão teve uma acção decisiva que contrasta com o
esquecimento a que tem estado votado. Esse facto não deixa de suscitar uma
certa estranheza, tanto mais que ele integrava o Directório do Partido Republicano, seu órgão máximo, desde o
Congresso de Setúbal (1909), com uma acção relevante nos
trabalhos que antecederam a insurreição de Outubro de 1910. Esteve presente na varanda da Câmara Municipal de Lisboa, após a
vitória, a ele cabendo o anúncio oficial da mudança de regime. Quem foi
esse médico franzino que protagonizou um papel de primeiro plano naquele
momento decisivo da nossa história, e que conheceu um relativo apagamento mesmo
durante a República, agravado depois com a viragem operada em Maio de 1926?
De Gavião a Lisboa
Este percurso empreendido por Eusébio Leão foi, afinal, idêntico
ao de alguns, poucos, portugueses que, nascidos em terras do interior, tinham
que se deslocar, a fim de prosseguirem os seus estudos, para as Universidades
de Lisboa e Coimbra, consoante os cursos que desejassem frequentar. Francisco
Eusébio Lourenço Leão nascera em Degracia Cimeira, freguesia e concelho
de Gavião, a 2 de Fevereiro de 1864,
no seio de uma família humilde; era filho de Eusébio Lourenço, natural de Amieira
(Nisa) e de D. Ana Heitor,
natural de Atalaia (Gavião). Foi baptizado em casa por necessidade e depois solenemente, na Matriz da vila, a 3
de Abril seguinte. Após ter efectuado os estudos primários em Gavião, Eusébio
Leão partiu-para Lisboa. Seus
irmãos (...) arrancaram-no muito novo à província e começaram por mandar-lhe
ensinar o suficiente para a vida comercial a que o dedicavam. Data de 9
de Dezembro de 1884 o requerimento
em que solicitava à edilidade local autorização para transferir a sua
residência para a freguesia de Santa Catarina, na capital.
Mas não estava destinado à carreira comercial; matriculou-se na Escola Médico-Cirúrgica
de Lisboa. Não conseguimos localizar, no arquivo da actual Faculdade de Medicina
de Lisboa, os documentos referentes à sua passagem por aquela escola, mas o
curso não deve ter conhecido sobressaltos de maior, obtendo até louvores em
quase todas as cadeiras e prémios pecuniários nos 3º e 5º anos. Foi ainda escolhido,
quando frequentava o 5º ano, para prestar serviço no Hospital de Santa Marta
por ocasião da grande epidemia de influenza.
Em Julho de 1890 apresenta a sua
dissertação inaugural intitulada Algumas
Palavras sobre os Parasitas do Paludismo, que teve como Presidente o Doutor
José Joaquim Silva Amado, Professor de Medicina Legal e Higiene, obtendo
aprovação plena. Este pequeno livro de 64 páginas, o único, aliás, publicado
por Eusébio Leão durante toda a sua vida, contém algumas informações e referências
curiosas. Em primeiro lugar, o trabalho é dedicado Aos meus irmãos António e Ramiro Leão - aos vossos solícitos
desvelos devo o meu curso. Está assim explicada a ida para Lisboa e a
continuação dos estudos. Foi essencial o apoio dos irmãos, em especial o de
Ramiro Leão, abastado comerciante da capital e com negócios no Brasil, o qual,
não obstante diferenças políticas profundas, manterá sempre com Eusébio fortes
laços de amizade. Mas o jovem estudante não queria depender exclusivamente da
generosidade fraternal, durante os
seus estudos leccionava, porque era preciso não se tornar pesado a seus irmãos.
No mesmo volume encontramos a relação dos professores da Escola Médico-Cirúrgica,
o que era, aliás, comum em todas as teses impressas, desde o seu director, José
António Arantes Pedroso, até figuras bem conhecidas e prestigiadas como José
António Serrano, natural de
Castelo de Vide, Miguel Bombarda e José Curry Cabral. Mas a terceira
referência tem a ver com o tema da própria dissertação, muito ligado ao
concelho de Gavião, obrigado por uma
disposição regulamentar a escrever uma tese escolhi para assunto dela as
afecções palustres que abundam na terra de onde sou oriundo. Curiosa
alusão à gravidade de que o paludismo se revestia naquela região em finais do século
XIX. A vida escolar de Francisco Eusébio Leão foi marcada, desde o início, por
uma militância associativa digna de realce, durante os 6 anos que esteve em
Lisboa foi Presidente da Caixa de Socorro aos Estudantes Pobres, que
vegetava numa situação de decadência, e que ajudou a reerguer. Mas o ano em
que termina o curso é um ano muito especial no que respeita à política
portuguesa.
A 11 de Janeiro de 1890, a Grã-Bretanha apresenta ao governo português a célebre nota diplomática que ficou conhecida com a designação de Ultimatum, e que suscitou em todo o país uma onda de protestos antibritânicos e antigovernamentais. Embora esse movimento não fosse exclusivamente dinamizado por republicanos, enquadrando até personalidades monárquicas bem conhecidas na Comissão Executiva da Grande Subscrição Nacional, são aqueles primeiros que capitalizarão o descontentamento popular. A tibieza do governo e a cedência perante as exigências inglesas confundem-se com a fraqueza da Monarquia. Redimir a pátria passaria, assim, pela mudança de regime. Só através da República, Portugal poderia readquirir a sua dignidade e lavar a honra ultrajada». In António Ventura, Eusébio Leão, Um Paladino Discreto da República, edição da CM do Gavião, capa de Raul Ladeiro (Lagóia), Gavião, 1991.
A 11 de Janeiro de 1890, a Grã-Bretanha apresenta ao governo português a célebre nota diplomática que ficou conhecida com a designação de Ultimatum, e que suscitou em todo o país uma onda de protestos antibritânicos e antigovernamentais. Embora esse movimento não fosse exclusivamente dinamizado por republicanos, enquadrando até personalidades monárquicas bem conhecidas na Comissão Executiva da Grande Subscrição Nacional, são aqueles primeiros que capitalizarão o descontentamento popular. A tibieza do governo e a cedência perante as exigências inglesas confundem-se com a fraqueza da Monarquia. Redimir a pátria passaria, assim, pela mudança de regime. Só através da República, Portugal poderia readquirir a sua dignidade e lavar a honra ultrajada». In António Ventura, Eusébio Leão, Um Paladino Discreto da República, edição da CM do Gavião, capa de Raul Ladeiro (Lagóia), Gavião, 1991.
Cortesia da CMGavião/JDACT