Influências (más) gregas na Lusitânia. Os
deuses lusos.
«Os povos de Entre-Douro-e-Minho
participaram intimamente dos costumes dos gregos. Tinham jogos públicos que
celebravam com grande pompa, davam festins enormes em que os jovens cantavam os
louvores dos heróis do país. As mulheres destas tribos distinguiram-se muito
tempo pela sua castidade. A espécie de civilização que nelas culminava não
tardou a corromper-lhes os costumes primitivos e a breve trecho esqueceram a
castidade dos seus antepassados para se dedicarem freneticamente ao culto de
Vénus e ao excesso de todas as sensualidades. Lendas antiquíssimas celebram a
valentia destas mulheres, que se batiam com denodo e preferiam procurar a morte
na ponta das lanças de cobre dos contrários a ficarem prisioneiras de guerra.
Há tradições de uma famosa batalha entre os Galaicos e estes povos em que as
mulheres dos dois partidos obraram prodígios de valentia. Esta batalha é conhecida
pelo nome de batalha das mulheres,
porque ao sexo frágil coube nesse prélio cruento a maior parte da glória de
famosos rasgos heróicos. Além dos deuses de que já falámos, adoravam os Lusitanos
o grande Endovélico.
O deus Endovélico, senhor da Lusitânia
Divergem as opiniões a respeito
deste deus, cujo nome alguns derivam da palavra grega Balos ou Valos, que quer
dizer caminho, e do nome Endon,
que quer dizer dentro. Os que são deste parecer afirmam que o deus
presidia aos caminhos, como o deus Término, que velava pela propriedade nos
limites dos campos. Algumas inscrições encontradas em Vila Viçosa levam-nos a outra
conclusão. Vasconcelos, nas suas notas a Resende (Antiquitates Lusitania),
assegura que a palavra Endovélico se compõe de Endo, nome de algum herói da antiga
Ibéria, e do verbo evellere, que
significa tirar e arrancar, e por isso a esse herói divinizado se
atribuía o poder de arrancar das feridas o ferro que ali fora cravado. Parece
ser este o sentido da antiquíssima inscrição: Herculi Patrio Endovellico
Toletum urbs victrix Osca Deis Tutelaribus compeditos Ursos, Tauros, Aves, Lívicas
Quotannis decreto dicaverunt. (Toledo e a cidade vitoriosa de Osca consagram
aos seus deuses tutelares, a Endovélico, o Hércules do país, touros, ursos e avestruzes
metidos num parque, para a solenidade dos jogos que todos os anos se celebram).
Vasconcelos, firme nesta opinião e esquecendo que o deus Endovélico talvez já
tivesse este nome, antes de existir na Lusitânia a língua latina, não podendo
por conseguinte o nome Endovélico compor-se do termo evellere nem da palavra Endo ibérica, censura asperamente
Resende por afirmar que o nome do deus tirava a sua etimologia da cidade
Endovellia, quando, em seu parecer, jamais semelhante cidade existira em
Espanha.
Pelo que nos autores encontramos,
Resende esteve nesta questão mais perto da verdade que o seu contraditor. O
douto antiquário é de parecer, na sua dissertação, que o nome do deus Endovélico
se formara de dois termos: Endo e Vellico, sendo o primeiro o nome da
divindade e o segundo o do país onde era particularmente adorado. O nome Vellicos compunha-se de Vellica, cidade
da Cantábria, nas nascentes do Ebro, cidade célebre pelo culto do deus que daqui
foi chamado Endo de Vellicos, como a Apolo se chamava de Delfos e, a
Hércules, de Tiro. Luís Alphitander sustentou que Endovélico era Tubal, considerado
geralmente pelos antiquários espanhóis como o patriarca da sua nação, e
metamorfoseou este neto de Noé em Cupido, ou deus do amor, atribuindo-lhe a virtude
de curar as paixões amorosas e de dar saúde ao corpo. Parece esta opinião algum
tanto conforme ao sentido das inscrições achadas em Vila Viçosa, e que vamos
transcrever aqui:
Endovellico sacratum
Marcus Julius
Proculus animo
Libens votum solvit.
Deo Endovellico sacratum
Julia Ediana, voto suscepto
Elvia. Ubas, Mater, Filiae
Suae. Votum susceptum
Animo libens posuit.
Ex voto. Pro Critonia. C. F.
C. Julius novatus, Endovellico
Pro salute Vincuminae venustae
Maniliae
suae. Votum solvit».
In Alfredo Amorim Pessoa, Os bons velhos
tempos da prostituição em Portugal, Antologia, 1887, Anotações, 1976,
Antígona_Frenesi, 2006, Lisboa, ISBN 972-608-175-0.
Cortesia de Antígona /JDACT