segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Os bons velhos tempos da prostituição em Portugal. Alfredo A. Pessoa. «Foi um tumulto indescritível, mas ninguém, nem mesmo as mulheres, soltou um grito perante a iminência do perigo. Os guerreiros armaram-se a toda a pressa, porque a fuga era impossível»

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«(…) Vê-se destas inscrições que o deus dos lusitanos era advogado da saúde. Reinésio é de opinião que o deus era o Apolo Belino das inscrições de Aquileia, o que não parece suficientemente demonstrado. Seja como for, a lenda que atribui a Maherbal a fundação do templo de Endovélico está longe de se basear em argumentos sólidos. Antes de os Cartagineses pisarem pela primeira vez o solo da Lusitânia, já o deus Endovélico tinha as suas aras em Vila Viçosa, segundo se depreende de tradições antiquíssimas. A estátua do deus parece ter bastante analogia com a de Cupido. Lê-se em Viterbo (Elucidário): ... a figura do ídolo com os olhos fechados, o coração na boca e as asas nos pés, bem claramente nos mostra a natureza do amor profano, que em nada repara, tudo descobre e num instante se remonta, foge e desaparece, deixando frustrados e iludidos os seus devotos. Há tradição de ter existido, no famoso templo situado perto da vila de Terena, uma bela estátua de Endovélico, em prata maciça. Por ocasião da conquista romana, os soldados de Júlio César despojaram o templo de todas as suas preciosidades, e a estátua lá foi parar às mãos dos Romanos. A sensualidade que acompanhava as cerimónias do culto de Endovélico era mais feroz do que lúbrica. Havia mais sangue derramado no recinto sagrado do templo do que suspiros de amor ou ósculos libidinosos.

Vae victis!, ou a orgia da soldadesca romana com as vencidas lusitanas. A violação de Olia e a sua vingança. Viriato
Outra história não menos trágica, mas muito mais digna, do pudor e castidade das lusitanas é a que vamos contar. É Aladio quem cita este rasgo de heroísmo, digno de facto de passar à posteridade. Celebrava-se estrondosamente um noivado numa tribo lusitana. A cidra circulava em abundância na mesa do festim e os convidados faziam honra ao banquete, em que reinava a maior animação. Tentalo, o noivo, era um guerreiro valente que se ilustrara já por vários feitos, sob as ordens de Viriato. Olia, a noiva, era a donzela mais encantadora da região, e fora prometida, em recompensa do seu valor, ao jovem guerreiro, da última vez que partira para a campanha contra os romanos. Voltara coberto de glória e viera a recordar a promessa que durante a luta tantas vezes lhe alentara a coragem, porque amava a sua noiva com todo o fogo de uma paixão impetuosa. Pela sua parte, a lusitana correspondia do íntimo da alma à paixão que inspirara. Tentalo era o jovem mais esforçado da tribo e distinguia-se, além disso, por uma figura simpática e atraente. Poucos dias depois do seu regresso, celebrava-se com júbilo o auspicioso enlace, a que assistia toda a tribo. Mas naqueles tempos de lutas incessantes, a felicidade era coisa muito contingente.
As cerimónias religiosas, os banquetes nupciais, as honras fúnebres dos Lusitanos eram a cada passo interrompidos pela irrupção das tropas romanas. Vivia-se na incerteza constante do lugar onde se passaria a noite. Não havia tréguas, como outrora, nem mesmo os Romanos guardavam já, para com os Lusitanos, a fé dos tratados. Disputava-se o país palmo a palmo. À derrota de hoje sucedia a investida do dia seguinte, e de Roma, humilhada por aquela guerra interminável e inglória, partiam de quando em quando numerosos contingentes de tropas para a Lusitânia. No dia do banquete nupcial, a que nos referimos, nada havia que fizesse suspeitar uma investida dos Romanos. A guerra tinha agora por teatro uma região distante, aquela parte do país gozava há meses um sossego completo. Porém uma derrota das tropas romanas fizera tomar aquela direcção aos invasores e, de repente, quando menos se esperava, quando o banquete corria no meio de uma alegria e animação extraordinárias, um lusitano chegou ofegante ao recinto consagrado ao festim e pronunciou esta frase terrível: Os Romanos!...
Foi um tumulto indescritível, mas ninguém, nem mesmo as mulheres, soltou um grito perante a iminência do perigo. Os guerreiros armaram-se a toda a pressa, porque a fuga era impossível. Ficava ainda distante dali a montanha que podia proteger a tribo contra a invasão do inimigo. Daí a pouco surgiam os Romanos. Era um numeroso esquadrão de velites. Travou-se o combate. A investida foi temível e a defesa verdadeiramente heróica. Obraram-se de parte a parte prodígios de valor. Muitos romanos morderam rudemente o pó, derribados dos cavalos pelas fundas dos adversários. Mas nos Lusitanos houve também graves perdas, causadas pelas lanças romanas! Enquanto durou o combate, as mulheres e as crianças, a pequena distância do teatro da luta, esperavam ansiosamente o desenlace, animando com os seus gritos o esforço dos guerreiros da sua raça. Apesar de numerosos, os velites não levariam a melhor nessa peleja se a fortuna os não favorecesse, trazendo-lhes a tempo um novo reforço de combatentes. Desde esse momento a resistência dos lusitanos era completamente inútil. O número esmagava-os. Felizes dos que tinham tido tempo de morrer, porque aos sobreviventes esperava-os o cativeiro!...» In Alfredo Amorim Pessoa, Os bons velhos tempos da prostituição em Portugal, Antologia, 1887, Anotações, 1976, Antígona_Frenesi, 2006, Lisboa, ISBN 972-608-175-0.

Cortesia de Antígona /JDACT