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«(…) Oliveira Marques
publica em 1962 a introdução à história da agricultura em Portugal: a
questão cerealífera na idade Média, estudo que será a obra-mãe da
história rural portuguesa. Aí são minuciosamente analisadas as condições,
as áreas e os meios de produção, a circulação e distribuição interna e externa,
as técnicas comerciais, a panificação, os preços e o consumo, as crises dos
séculos XIV e XV. Dois anos depois dá à estampa A sociedade medieval
portuguesa, obra muito precoce para a sua época, que desperta a sensibilidade
histórica para o quotidiano, e a multidimensionalidade da vida social,
desenhando nos quadros sobre a mesa, o traje, a casa, a higiene e saúde, o
trabalho, ou mais íntimos sobre o afecto, a crença, a cultura, as distracções e
a morte., Ainda nesse mesmo ano de 1964 publica o seu precioso Guia do
estudante de História Medieval, em que nos apresenta bibliografias
temáticas, nos abre as portas de arquivos, desvendando-nos a riqueza do seu
espólio documental, incentivo à investigação e bússola norteadora na complexidade
dos seus meandros. Em 1965, compila alguns dos seus estudos sobre população,
estratificação social, comércio e moeda, na obra Ensaios de História
Medieval portuguesa, que aponta diversas pistas na abordagem da história económica
e social. Finalmente, em 1972, oferece-nos uma primeira síntese actualizada da
nossa História de Portugal.
José Mattoso, por sua
vez, afirma-se, significativamente, no campo da historiografia portuguesa com a
publicação, em 1957, da sua monografia L 'abbaye de Pendorada des origens à 1160,
modelo de tantos outros trabalhos sobre casas monásticas, em que, a par da
vida espiritual e interna da comunidade, é também estudado o património da instituição,
seu aproveitamento e modo de exploração, capítulos obrigatórios de tantas
histórias rurais. Na sua tese de doutoramento, apresentada em 1968, analisa,
mais abrangentemente, Le monachisme ibérique et Cluny. Les monastères du
diocese de Porlo de l'an mille à 1200, sendo aí mais significativa a
novidade na temática religiosa, mas onde não são, todavia, esquecidos aspectos
da vida material das funções, actividades e quotidiano dos monges. Com estes
dois trabalhos pioneiros arranca, com longa e pujante vida, a história
monástica em Portugal. E é justamente a partir dos mosteiros que José Mattoso,
atentando nos seus fundadores e padroeiros nobres, envereda pelo caminho do
estudo da nobreza, na amplitude dos seus laços de família e parentesco, riqueza
fundiária, poder, funções e mentalidade. Muitos serão os discípulos que se deixarão
atrair por estes estudos da nobreza, nos quais a história social e mental
convoca os conceitos e métodos da etnologia, antropologia e sociologia, para
mais amplamente redimensionar o passado de um grupo e de uma sociedade.
Inevitáveis serão as intercorrências com a história económica, no desenho de
uma economia senhorial, nas suas características, funcionamento e abrangência
espacial, tema igualmente de reflexão deste estudioso, que o levará depois a confrontar
um Portugal senhorial com um Portugal concelhio de uma outra natureza, raiz e
espacialidade. Os ensinamentos destes Mestres, os eventos políticos, a abertura
ao exterior e a renovação da Universidade foram fermentando longamente na
década de 1970 para dar os esperados frutos nos anos 1980, mormente no campo da
história rural, que será a especialidade em que doravante nos deteremos.
Se a Revolução de Abril
é de lodos conhecida, não será de esquecer que a mesma teve largas implicações
no sector universitário. Recriada na década de 1960 a Faculdade de Letras do
Porto, nascida depois da Revolução a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
que integra a Universidade Nova de Lisboa, e mantendo-se as clássicas Faculdades
de Letras de Coimbra e Lisboa, assiste-se, em todas elas, a uma lufada de ar
fresco com a entrada de jovens monitores e assistentes, com a afirmação de uns
quantos que nelas haviam ingressado algum tempo antes, com o retorno de
professores exilados no estrangeiro, com a remodelação dos planos curriculares,
com a abertura da investigação, a novas áreas, períodos e metodologias. E será
justamente no âmbito das Universidades e dos Centros de Investigação, ligados
ao INIC, na maior parte dos casos nelas sediados, que, num sentido de escola,
com mestres e discípulos, se darão os passos mais significativos na docência e
investigação.
A história rural
afirma-se como domínio de preferência dos anos 1980, com alguns antecedentes na
década anterior. E recolhe todos os ensinamentos que vinham da Escola Francesa,
onde imperavam os trabalhos que abordavam a temática num quadro regional, dando
a conhecer o Beauvais, a Provença, a Catalunha, o Languedoc, abandonando as
grandes sínteses e o espaço nacional. É justamente entregue na Sorbonne, em
1964, uma tese de doutoramento da autoria de Albert Silbert que particulariza o
espaço de Le Portugal Méditerranéen à la fin de l'Ancien Régime, da maior
importância na historiografia portuguesa, onde se analisam a Beira Baixa e o
Alentejo, na dialéctica das suas culturas e da criação de gado, demorando-se na
reconstituição da sociedade e do colectivismo agrários. Em muitos destes trabalhos
da Escola Francesa privilegia-se, então, a demografia histórica, procura-se
explicar a sociedade, na longa duração, atentando na sua estruturação e fazendo
emergir o papel do campesinato e o alcance dos movimentos populares». In
Maria Helena Cruz Coelho, Balanço sobre a História Rural produzida em Portugal
nas Últimas Décadas, Conferência, Mestrado em História das
Sociedades Agrárias, Universidade Federal de Goiás, 1997, Faculdade de Letra, Coimbra,
História Revista, 2 (I), 1997.
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