quarta-feira, 27 de abril de 2016

Casanova Revisitado. Susan Swan. «Não partas com espírito de aquisição, antes avança na maior das humildades, experimentando o mesmo fervor que sentes quando escolhes um amante, sabendo que um mundo…»


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«(…) Do outro lado do frontispício constava uma inscrição feita por Asked For Adams e urna declaração dos seus princípios de viagem. Corada de excitação, Luce segurou o diário de maneira que os seus lados vermelhos repousassem uniformemente na secretária do hotel. Os documentos haviam chegado apenas no dia anterior ao do voo e não tivera oportunidade para lançar mais do que uma olhadela a algumas páginas. Começou a ler. Ao longo da minha vida, fiz muitas coisas, para uma mulher nascida yankee em Quincy, Massachusetts. Salvei a vida de um sultão e viajei com Jacob Casanova, o qual me ensinou que existe unicamente uma lição que vale a pena aprender: nunca tentar realizar o ideal, antes encontrar o ideal no real. Os nossos desejos dão origem a fés (as quais são variadas), porém, as melhores fés são cinco e são, simultaneamente, prazeres: (1) A fé dos nossos antepassados; (2) Amor e Relações Sexuais, que Jacob Casanova nunca separava; (3) Literatura; (4) Beleza; e (5) Viagens. Não importa qual a fé que escolhamos de entre as milhares que nos aguardam, devemos praticá-la com o máximo de reverência, compaixão e exuberância que nós, pobres seres, possuamos. pois as palavras de todas as doutrinas, e seu tempo, saciarão. Em 1797, quando conheci Jacob, não sabia que estava prestes a abraçar as Viagens, a Quinta Fé, cujos princípios Jacob tão espirituosamente inventou e cujos preceitos traduzi livremente do francês para os adequar aos meus propósitos. Era também, então, suficientemente ignorante para pensar que as viagens valiam por si próprias, não compreendendo que dependem das outras fés para serem completas.
Os dez princípios fundamentais de viagem de Jacob Casanova: 1. Não partas com espírito de aquisição, antes avança na maior das humildades, experimentando o mesmo fervor que sentes quando escolhes um amante, sabendo que um mundo de possibilidades te aguarda; 2. Escreve o teu desejo e rasga-o em doze pedaços. Depois, lança-os para uma grande extensão de água (qualquer oceano serve); 3. Viajar é como respirar; por isso, exala o velho, inala o novo e permite que os teus desgostos se desvaneçam atrás de ti; 4. Aquilo que desejas aguarda-te sempre, se fores suficientemente corajoso para o reconhecer; 5. Vai apenas aonde as tuas fantasias te levarem. O caminho para o prazer e a liberdade é o melhor para o viajante; 6. Arranja entradas e saídas fáceis. Recupera em alojamentos confortáveis. Depois, move-te para outros aposentos e perdoa a ti mesmo a indulgência dos luxos necessários. 7. Se encontrares um lugar que te satisfaça, faz tudo por ficar. Porém, não conhecerás a alma do seu povo até que lhe possas falar na sua própria língua; 8. Aceita os outros como a ti mesmo, mas vê-os por quem são; 9. A tua viagem não está completa até que concedas uma dádiva às terras que visitaste, tendo perfeita consciência de que nunca serás capaz de pagar metade das riquezas que te foram concedidas; 10. Vai imediatamente, com as palavras de Jacob Casanova no coração: Un altro mondo è possibile!
Que bizarro, da parte de Casanova, pensou, perplexa. E o seu décimo princípio, por aquilo que sabia de italiano, sugeria que Casanova acreditava poder mudar a sua realidade como mudava de roupa. Quanto a ela, no gostava de viajar e, de qualquer modo, não tinha dinheiro~para férias, com o seu salário nos Arquivos e Livros Raros Miller. Se lhe dessem a escolher, preferia mergulhar num livro e deixar que o mundo viesse até ela. Pois, independentemente do que a sua antepassada tivesse dito, viajar era perigoso. A morte esconde-se no desconhecido, a surpresa indesejável que viajante algum pode transformar a seu favor». In Susan Swan, Casanova Revisitado, 2005, tradução de Fernanda Semedo, Editorial Estampa, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-332-345-0.

Cortesia de EEstampa/JDACT