«Este
trabalho tem como base as inquirições realizadas no julgado de Bouro em 1220 e 1258,
ao longo do século XIII, nos reinados de Afonso II e Afonso III,
respectivamente. Escolhido este território de pequena dimensão, este apresenta-se
em dois momentos diferentes, quer em tempo quer em área, em tempo, por
tratar-se de dois reinados diferentes, e em área, devido as dimensões do
julgado que são sofreram modificações de uma inquirição para a outra. Em 1220,
temos um julgado composto por setenta freguesias, situadas entre o Rio Cávado e
com fronteiras com os julgados de Nóbrega, Penela, Prado e a serra do Gerês confrontando
com o reino de Leão, numa região populosa, onde a fixação se fez privilegiadamente
junto aos canais fluviais, um segundo momento, em 1258, este julgado de Bouro
passa a ter dezoito freguesias, localizadas entre dois rios, o Cávado e o
Homem, que delimitavam uma área bem definida mais a Serra do Gerês que
confrontava com o reino de Leão. Estes rios, além de sua importância no
fornecimento de alimentos aos habitantes da região, por possuir grandes
cardumes e diversas variedades de peixes ao longo de seu leito, serviam também
como via de transporte dos diversos tipos de cargas e passageiros que transitavam
de um lado para outro, ou ao longo do rio. As inquirições Régias Portuguesas constituem,
uma fonte inesgotável de informações, documento único que animou o nosso interesse
específico pelas terras do Julgado de Bouro. Com base nas fontes acima citadas
e com a finalidade de apresentar a cartografia deste julgado no Portugal
Medievo, assim como também uma análise do sistema económico, social e de inter-relação
de poderes no seu tempo e espaço, chegámos não ao fim de nossos interesses,
mas, à certeza da necessidade de continuidade de um esforço e vontade para a
pesquisa e estudo de uma história rica, profunda e científica. Este estudo
debruçar-se-á os esforços e acções desenvolvidas por homens devidamente juramentados,
com incumbência de registar todas as respostas e informações que fossem citadas,
conforme as interrogações dos inquéritos apresentados em duas épocas distintas.
Nota-se, no espaço de tempo analisado, uma redução de terras incorporadas no
julgado do Bouro. Sendo a inquirição de 1220 ordenada por Afonso II, que após
suas confirmações de privilégios e bens entregues pelos seus antecessores a
concelhos, nobres e instituições religiosas existentes naquele período,
iniciando uma nova forma de saber quais os direitos do rei e da coroa. Ao mesmo
tempo esta inquirição efectuada com o objectivo de conhecer qual o património
da coroa, apresenta-nos o primeiro levantamento dos bens régios e das apropriações
indevidas efectuadas pela nobreza, clero, e até pelos vilãos. Passado um
período de transição (só trinta e oito anos depois em 1258, Afonso III, voltou
a usar inquirições com o mesmo objectivo da de 1220, reprimindo as usurpações
sofrida pelo rei e dos direitos da coroa, há um retorno aos trabalhos das
inquirições, estas agora ordenadas por Afonso III, em 1258, o qual, com a sua
autoridade real e estando atento aos acontecimentos, promoveu esta acção, com a
intenção de reduzir a expansão do regime senhorial, feita na maioria das vezes
por formas abusivas, às custas do património régio, das explorações dos
pequenos agricultores e proprietários vilãos. Baseado nas informações colhidas por
estes inquéritos, conseguiu-se elaborar um cadastro de informações que continha
dados sobre: terras foreiras, reguengos, coutos e honras nas diversas
freguesias inquiridas por aquela alçada, tomando assim conhecimento dos abusos
e das apropriações de direitos régios e da coroa por parte dos senhores. Após
este breve apontamento de interesse por uma região, mesmo que pequena, que sofreu
tantas modificação na sua estrutura física, social, económica e estrutural,
procurámos ver, através da documentação, impulsada à acção régia que visou
sustentar e recuperar o património real, usando assim as inquirições como meio
prático de acção administrativa, força e poder.
A
existência de um número considerável de trabalhos que as utilizam como fonte subsidiária,
não invalida o facto de estudos específicos sobre uma região pequena. No
entanto sabemos que os trabalhos existentes não são ainda em número suficiente
para podermos ter uma cartografia do Portugal Medievo (sob o ponto de vista
económico, social e de inter-relações dos poderes na terra), que nos permitam
partir para as análises estruturais de vocação macroscópica. Esse desígnio foi
possível depois de um aturado e demorado trabalho de micro-história, com
estudos de pequenas regiões e julgados, nos quais a informação presente nas
inquirições pudesse ser trabalhada de forma sistemática e racionalizante, antes
de se passar ao estudo dos fenómenos mais abrangentes ou tendências gerais.
Consciente desta lacuna, foi nesse sentido que este projecto se quis inserir.
A
Exploração da Terra
A
escolha por uma análise regional como base para o trabalho de mestrado ficou a dever-se
à curiosidade despertada pela leitura de fontes e textos que divulgaram os
estudos da vida dos grupos e das sociedades em suas regiões. A documentação
escolhida para esse fim, permitiu-nos seguir uma linha onde pudemos estudar o
perfil de ocupação dos homens nas suas terras, em três âmbitos fundamentais:
geográfico, económico e social. Determinada a escolha de uma região como universo
de estudo, partimos para a primeira tentativa de delimitação geográfica dessa
área específica, considerando a sua característica feição nortenha, com os seus
rios e montanhas definidos também pela distinção do clima e pela forma
estrutural do seu relevo. Escolhemos as terras de Bouro devido ao interesse que
elas assumem nas Inquirições do século XIII ordenadas pelos reis Afonso II e
Afonso III e às mudanças detectáveis entre uma época e a outra. A nossa escolha
voltou-se para o espaço que envolveu essa região do Norte em dois períodos
significativos com as Inquirições promovidas pelo rei Afonso II em 1220, com
uma dimensão geográfica fronteiriça de área mais alargada e as Inquirições de Afonso
III em 1258, com outro território bem definido no que respeita aos seus
limites, mas tendo passado, durante esse intervalo, a uma extensão muitíssimo
mais reduzida». In Cinésio Romão Silva, O Julgamento de Bouro, A Terra e os Homens, Dissertação
de Mestrado em Estudos Medievais, Estudos sobre o poder, Coordenação de Maria
João Violante Branco, Universidade Aberta, Lisboa, 2009.
Cortesia
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