terça-feira, 12 de abril de 2016

Soberanos Destronados. Sancho II de Portugal. Américo Faria. «O irmão de Sancho, Afonso (mais tarde rei sob o título de Afonso III), dizem uns que descontente com os negócios da governação pública, enquanto outros afirmam que por simples espírito de aventura»

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«(…) Foi então que Martinho Rodrigues, bispo do Porto, sentindo-se diminuído na sua dignidade e autoridade, apelou para a intervenção do papa. Sentava-se nessa altura no sólio pontifício Gregório X. De espírito conciliador, mas não admitindo de forma alguma o menosprezo das instituições religiosas (tenha-se em vista a excomunhão que por duas vezes lançou sobre o poderoso Frederico II) mandou a Portugal um seu legado, João Abbeville, incumbido de estudar as causas do dissídio e resolvê-lo, se para tanto houvesse ensejo. Era Abbeville pessoa prudente, de espírito sensato, tolerante. Graças aos esforços que desenvolveu no desempenho da delicada missão de que fora encarregado, logrou estabelecer entre as partes desavindas, senão a harmonia completa, pelo menos um armistício confortável, delimitados ambos os poderes convenientemente. Durante três anos, devido a isso, pôde Sancho II gozar de relativa tranquilidade, sem empecilhos de maior. O moço monarca ocupou-se então do desenvolvimento da agricultura e do povoamento do reino. Já nesse tempo no seu cérebro agudo, de notável visão, flutuaria o sonho da constituição de uma organização de marinha de guerra, tão necessária para reprimir as atrevidas investidas da pirataria berbere e moirisca contra algumas das povoações litorâneas, onde faziam autênticas razias.
Entretanto, no seio da corte as dissenções continuavam em luta subterrânea e silenciosa. A nobreza, que Afonso tão bem soubera conter em respeito, tomando por fraqueza o espírito indulgente de Sancho II, não perdia o ensejo de, com as suas mãos calçadas de guantes de ferro, dilacerar o poder real. Por seu turno, o armistício com o clero quebrara-se, não por culpa do soberano, preocupado sobretudo em expulsar do reino os moiros, ou conquistar para a pátria os últimos redutos sarracenos que ainda perduravam no reino, mas por insensatez de certos validos que abusavam, em nome do rei, das regalias que usufruíam. O irmão de Sancho, Afonso (mais tarde rei sob o título de Afonso III), dizem uns que descontente com os negócios da governação pública, enquanto outros afirmam que por simples espírito de aventura, partiu para França, acompanhado por diversos fidalgos ávidos de novidade e, possivelmente, malquistados com a pátria. Os ministros, que temiam fosse o príncipe influenciado e aproveitado algum dia pelos inimigos do rei para qualquer revolta contra este, rejubilaram com o facto. Era mais um perigo que ficava temporariamente afastado, no mínimo durante o tempo que ele se conservasse no estrangeiro.
As façanhas de guerreiro praticadas pelo monarca não faziam esquecer aos descontentes as suas faltas na governança. E à frente desses elementos desgostosos figuravam sempre os bispos, ressabiados com certas medidas reais. A luta irrompeu de novo entre o alto clero e a coroa, antes, entre os ministros e o bispo de Lisboa, Soeiro Gomes. Era este uma figura de prestígio que muito contribuíra para a tomada de Alcácer do Sal aos moiros, pois foi ele quem convidou os cruzados a pararem em Lisboa, incitando-os a realizar a triunfante expedição». In Américo Faria e Herdeiros, 1958, Dez soberanos destronados, Grandes Soberanos Destronados, Edições Parsifal, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-8760-00-5.

Cortesia de Parsifal/JDACT