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A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) Mas a falsa paz que o ano do nascimento de Sancho I parecia
consagrar em breve dereria revelar a sua verdadeira natureza. Afonso VII morria
em Agosto de 1157, deixando aos seus filhos, como legado, mais uma divisão
patrimonial do reino, destinada a terminar num novo surto de cisões e
rivalidades entre os agora de novo separados reinos de Leão e Castela. Por
outro lado, a ameaça almóada em breve começaria a pressionar de novo as ainda
instáveis fronteiras dos diversos reinos hispânicos. As disjunções entre os
cinco reinos estavam prestes a renascer como o ponto mais importante na ordem
do dia.
Afonso Henriques deve ter antecipado os perigos que esta nova partição
dos reinos e a resultante reordenação política poderia trazer para as suas
ambições. O novo ressurgimento dos dois reinos de Leão e Castela como unidades
políticas independentes não pode ter deixado de o incomodar tendo em vista que
acontecia pouco tempo depois do ainda relativamente fresco acordo de Zamora, em
1143, onde seu primo Afonso VII lhe reconhecera a dignidade régia. O rei
português devia temer que os herdeiros de Afonso VII considerassem nulo o
acordo que estabelecera com seu primo em Zamora, e que fizessem letra-morta do
seu recém-adquirido estatuto real, agora que tudo parecia mudar e sobretudo
tendo em vista que ainda não tinha tido resposta ao seu pedido ao papa para ser
reconhecido como rei e vassalo de Roma, o que lhe permitiria libertar-se da
necessidade de reconhecimento permanente por parte dos restantes reis ibéricos.
Deve ter sido por temer as intenções do leonês que Afonso Henriques procurou
certificar-se delas ao deslocar-se de imediato à corte de Fernando II, logo no
mês de Outubro desse ano de 1157, decerto para sondar os planos do novo rei em
relação a Portugal e garantir a permanência da paz que acordara com Afonso VII.
Aparentemente, esta visita a Leão, de contornos pouco claros, não surtiu
qualquer efeito, visto que logo em Maio do ano seguinte, os dois novos reis,
Sancho III de Castela e Fernando II de Leão, acertavam de facto um pacto entre
si, que confirmava as suspeitas de Afonso Henriques, uma vez que nos termos
desse pacto se acordava a futura repartição e integração de Portugal nos reinos
dos dois signatários desse Tratado de Sahagún. A prematura morte de Sancho III
viria impedir a concretização dos planos e divisões traçados em Sahagún, e
viria lançar Castela numa instabilidade que muito acabaria por beneficiar, quer
Fernando II de Leão, quer Afonso I de Portugal e os vizinhos reinos de Navarra
e Aragão. Ao morrer tão cedo, Sancho III de Castela deixava como herdeiro o futuro
Afonso VIII, que nesta altura tinha apenas 3 anos. A jovem criança teria de esperar
ainda bastantes anos até atingir a idade em que começaria a resolver questões
tão prementes como a questão navarra e o entendimento com Aragão, para além da
eterna rivalidade com o rei leonês.
Seria lógico supor que a morte de Sancho III logo em 1158 poderia ter
aliviado as apreensões do rei português sobre o futuro do seu território e da
sua dignidade. No entanto, Afonso Henriques parece não ter confiado demais na
sua sorte e, provavelmente por isso, parecendo adoptar a filosofia de que, em
questões de domínio territorial, a melhor defesa é o ataque, passou à ofensiva,
levando a cabo numerosos e sucessivos ataques, quer no limite sul do Além-Tejo,
com sucessivas investidas em Alcácer do Sal, Beja e Évora, entre outras praças,
quer a norte, na Galiza, onde era importante marcar o seu domínio face ao rei
leonês e a Santiago de Compostela. É assim que, durante a década que vai de 1158/1159
até ao desastre de Badajoz, a conquista e o alargamento do território parece ter
sido a preocupação principal do rei português e o móbil primeiro do seu
governo. As famosas vistas de Cabrera, encontro onde, em Novembro desse
mesmo ano de 1158, Fernando II de Leão e o rei português teriam acordado numa
definição de áreas de domínio respectivo, muito embora pareçam corresponder ao
desejo de assinalar e demarcar esses zonas de forma estável, não parece terem
resolvido quaisquer problemas. Logo a seguir a este encontro de amizade,
no Natal de 1159, encontramos Afonso Henriques de novo na corte de Fernando II,
na Galiza, onde mais um convénio, conhecido como encontro de Santa Maria de Palos, parece também nada ter
conseguido, nem em termos de apaziguar as respectivas ambições sobre
territórios idênticos, nem no sentido de sanar as desconfianças e suspeitas
recíprocas, nascidas com o Tratado de Sahagún». In Maria João Violante Branco,
Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN
978-972-759-978-3.
Cortesia de Bertrand/JDACT