«(…) Camaradas. Para nós, comunistas portugueses, a revolução etíope
tem um particular significado. Porque o ano de 1974, ano da revolução etíope, foi também, ano da Revolução
portuguesa, na qual o nosso partido desempenhou importante papel. Nós
pertencemos a um partido, o PCP, com grandes tradições de luta. É um partido
com 62 anos de existência, dos quais 48 anos, de 1926 a 1974, actuando nas
mais ferozes condições de clandestinidade. Milhares de membros do nosso partido
foram presos, torturados e condenados. Temos camaradas que passaram nas prisões
fascistas 20 anos e mais. Como exemplo: só a soma dos anos de prisão dos
membros do Comité Central que existia na altura em que a ditadura fascista foi
derrubada atingia mais de 300 anos. Muitos camaradas foram assassinados com
torturas por se recusarem a fazer declarações à polícia. Outros foram
assassinados nas prisões e campos de concentração. Outros foram simplesmente
assassinados a tiro, nas ruas. A luta era conduzida a partir da mais profunda
clandestinidade. Militantes houve que viveram e lutaram na clandestinidade 20
e30 anos seguidos. A organização era clandestina.
A imprensa do partido era clandestina e apesar de a polícia fascista
empregar poderosos meios para descobrir as tipografias e calar a voz do partido,
o nosso órgão central Avante! Foi sempre
escrito, impresso e distribuído regularmente, nos últimos 34 anos de ditadura
fascista. Apesar, porém, de ser forçado à mais profunda clandestinidade, o
nosso partido, lutando incessantemente contra a ditadura, defendendo
incessantemente os interesses do povo e do país, criou e reforçou
incessantemente as suas ligações com a classe operária, o campesinato, as
massas populares e organizou e conduziu, no tempo da ditadura, grandes e
poderosas lutas de massas. Pode dizer-se, porque é a verdade, que o PCP, nos 48
anos de ditadura fascista, foi o único partido que conduziu a luta do povo pela
sua libertação. Tudo isto explica o papel que o nosso partido teve na Revolução de 1974. Com orgulho podemos
dizer que nas grandes conquistas da Revolução portuguesa o nosso partido teve
um papel determinante. Quais foram
essas conquistas? A primeira grande conquista da Revolução portuguesa
foi a liberdade, a liberdade de organização,
de partidos e sindicatos, a liberdade de imprensa, o direito à greve. A segunda
grande conquista da Revolução foi o fim
da guerra colonial que os colonialistas portugueses conduziam contra os
povos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau e
o reconhecimento a esses povos do direito à independência, pela qual
lutavam de armas na mão.
A luta dos povos das colónias portuguesas pela sua independência
nacional foi comum com a luta do povo português contra a ditadura fascista. Uma
estreita amizade e cooperação fraternal se estabeleceu entre o PCP e os
movimentos de libertação nacional. E assim como a luta dos povos das colónias
portuguesas contribuiu para a libertação do povo português da ditadura fascista,
assim a luta do povo português, e finalmente a Revolução portuguesa, deram uma contribuição
decisiva para a libertação dos povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo
Verde e São Tomé e Príncipe. A terceira grande conquista da Revolução
portuguesa foi a liquidação dos grupos
monopolistas e a nacionalização de todos os sectores básicos da economia
portuguesa. A quarta grande conquista da Revolução portuguesa foi a Reforma Agrária, com a liquidação dos
latifúndios, e a constituição de centenas de unidades colectivas e
cooperativas. A quinta grande conquista da Revolução portuguesa foram amplos direitos dos trabalhadores que
melhoraram consideravelmente as suas condições de vida. À Revolução portuguesa
faltou, porém, aquilo que não faltou à revolução etíope: um poder
revolucionário, um governo revolucionário, consolidação das forças armadas
revolucionárias. Por isso, em Portugal, a reacção pôde passar à contra-ofensiva.
Conseguiu dissolver o movimento revolucionário das Forças Armadas.
Conseguiu de novo voltar ao governo e alcançar a maioria de deputados
no parlamento. Conseguiu dar golpes fundos na reforma agrária, roubando às
cooperativas (com o apoio de poderosas forças repressivas, espancando,
espingardeando, assassinando) metade das terras para as entregar de novo aos
grandes agrários, além do roubo de milhares de tractores e outras máquinas, de
dezenas de milhares de cabeças de gado. Mas o povo opôs-se heroicamente à
ofensiva contra-revolucionária e defendeu palmo a palmo as suas conquistas. De
tal forma que, depois de 6 anos de ofensivas contra-revolucionárias, todas as
empresas nacionalizadas continuam nacionalizadas e na reforma agrária continuam
a trabalhar, a lutar, a defender as suas terras mais de 400 UCPs/Cooperativas. A
reacção compreendeu que, existindo em Portugal um regime democrático, não
conseguiria jamais dominar a resistência popular e destruir as conquistas da
Revolução. Por isso estabeleceu sucessivos planos para a liquidação do regime
democrático e a instauração de uma nova ditadura. A última dessas tentativas
teve lugar o ano passado, em 1982. Estando no governo, dispondo de maioria no
parlamento, contando com a colaboração do PS, as forças reacionárias conseguiram
levar a cabo a revisão da Constituição. Essa revisão significou um perigo
mortal para a democracia portuguesa. Em resultado dessa revisão foi liquidado o
Conselho da Revolução, constituído
por militares, e os poderes do Conselho da Revolução e do Presidente da
República passaram para o governo, e particularmente para o ministro da Defesa».
In
Álvaro Cunhal, Discursos Políticos, 19, Falência da Política de Direita do PS
(1983-1985), Edições Avante!, Lisboa, 1988.