As Lendas Arturianas. A Matéria da Bretanha. A Evolução
«(…) Destes ramos o mais antigo é o Lancelote
em prosa. as duas partes iniciais lhe são posteriores e parecem ter
sido compostas com o fim específico de proporcionar um começo lógico à história
e dar unidade ao ciclo. A Estoire
expande a narrativa de Boron. Conta como José de Arimateia, depois de sair da
prisão, vai para o Oriente com sua esposa, seu filho Josephes e um pequeno
grupo de pessoas. Com ele vai o Santo Graal, transportado dentro de uma arca. Depois
de converterem inúmeros sarracenos eles se transportam de modo miraculoso para
a Inglaterra onde convertem os bretões ao cristianismo. Josephes deixa o Graal
aos cuidados do seu sobrinho Alain, o qual se transfere para a Terre Foraine
onde o rei, Afasi, depois de convertido, constrói um castelo para
abrigar o Graal, Corbenic. A história acaba no tempo do rei Pelles, avô
de Lancelote. A Estoire de Merlin,
segunda parte da Vulgata, é uma
versão em prosa do Merlin de
Boron completada por uma continuação pseudo-histórica a que modernamente se dá
o nome de Vulgate Merlin. A história conta os vários sucessos iniciais do
reinado do rei Artur e as vitórias que ele alcançou com a ajuda do mago, e
termina com o desaparecimento de Merlin, encantado pela mulher a quem amava e a
quem havia ensinado o segredo de como agir para prendê-lo.
O Lancelote em prosa,
conta toda a história do mais famoso dos cavaleiros do rei Artur, começando com
o seu nascimento. Após a morte de seu pai, o rei Ban de Benoic, uma fada
leva o menino para ser educado no seu palácio do meio de um lago. Posteriormente
ele vai à corte do rei Artur para ser armado cavaleiro e daí nasce a paixão
pela rainha Guinevere (Ginebra), o que lhe traz muita honra em suas façanhas
cavaleirescas, mas que o impede de aproximar-se do Graal de maneira mais
completa. Uma personagem importante é Galeaut, amigo de Lancelote, que leva o
valente cavaleiro a confessar seu amor pela esposa de Artur, tema imortalizado
por Dante na Divina Comédia. No final da
história somos informados de como é gerado Galaaz, o cavaleiro do santo
Graal. Através de artes mágicas, Lancelote é levado a deitar-se com Elaine,
filha do rei Pelles. O cavaleiro aceita seu papel porque pensa estar com a
rainha Guinevere (Ginebra). Ao saber da verdade no dia seguinte ele fica
furioso e, mais tarde, quando Guinevere, enciumada, rompe com ele por causa de
seu crime de deslealdade não intencional, o Cavaleiro do Lago fica louco e só
recupera o uso da razão pela graça do Santo Graal. A quarta parte, a Queste del Saint Graal, conta a
vinda de Galaaz para a corte do rei Artur, o início da Demanda, as aventuras acontecidas com os vários cavaleiros que
saíram em busca do Santo Vaso, a chegada dos heróis a Corbenic, a ida do Graal
para Sarras, a morte de Galaaz e de Perceval, e a volta de Boorz para a
corte. A última parte, a Mort Artu,
pinta a derrocada final da sociedade arturiana minada por guerras e dissenções internas
e acaba com a entrada de Guinevere para um convento e de Lancelote para um
eremitério, culminando tudo com a ida de Artur para Avalon, de onde voltará um
dia.
A seguir ao ciclo da Vulgata temos uma versão em prosa do
romance de Tristan ao qual se juntou a história de Lancelote e Guinevere e
a história do Graal. Este ciclo subsiste em duas redacções: a Primeira versão e a Segunda versão ou Versão
Ampliada. Aqui o tema do Graal, que na Vulgata era a parte principal da história,
e que sublinhava dramaticamente a disparidade entre os ideais cavaleirescos e
os ideais cristãos, condenando aqueles, tem mais uma função estrutural do que
ideológica e serve o propósito de preparar o leitor para a morte de Tristão
e Iseu. Aquela tensão entre as duas ideologias (a cavaleiresca e a
religiosa) da Vulgata parece ter levado um novo remanieur a tentar escrever uma versão mais homogénea da história,
isto é, compor uma nova Vulgata em que Lancelote, modelo do
ideal cavaleiresco, fosse substituído pelo rei Artur na sua função de eixo
principal da sociedade arturiana. Desse modo, logo após o aparecimento do ciclo
da Vulgata
e da Primeira Versão do Tristan, mas
antes da Segunda Versão Ampliada, vem
à luz um novo ciclo onde se combina a Vulgata com elementos da Primeira Versão. Este ciclo, ao qual
inicialmente se deu o nome de Pseudo-Boron,
passou a ser conhecido como Post-Vulgate
Roman du Graal depois dos pormenorizados estudos de Fanni Bogdanow.
Ao contrário do que aconteceu com a Vulgata o Post-Vulgate Roman du Graal não se conservou em nenhum
manuscrito original e só pode ser reconstituído por meio de alguns fragmentos em
francês e, principalmente, através das versões espanholas e portuguesas do material
arturiano». In Almir Campos Bruneti, A Lenda do Graal no Contexto Heterodoxo do
Pensamento Português, Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa, 1974.
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