A
Guerra da Sucessão Espanhola
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O século XVIII iniciou-se e foi marcado pela deflagração da Guerra da
Sucessão Espanhola. O conflito, que se estendeu entre 1702 a 1714, envolveu a
maioria das nações da Europa ocidental, e foi resultante do confronto entre os Bourbons
e os Habsburgos pelo trono da Espanha. Sob seu pano de fundo, no
entanto, várias outras questões emergiam: a rivalidade entre a França e a
Inglaterra hegemonia mundial, as disputas das nações europeias pelo controle
dos espaços coloniais e pelo comércio transoceânico, especialmente os auferidos
com o tráfico de escravos. A falta de um herdeiro directo para o trono espanhol
levou Carlos II, depois de examinar várias posibilidades de sucessão, a legar a
Coroa, em testamento, a Filipe de Bourbon, duque de Anjou, neto de Luís
XIV, mas que era também herdeiro presuntivo da França. Em Janeiro de 1701, as cortes espanholas, reunidas em
Madrid e Barcelona, reconheceram o duque como seu novo rei, nomeado Filipe V.
Preocupados com uma possível união franco-espanhola, pois a sucessão francesa
por primogenitura não estava ainda de todo assegurada, Áustria, Inglaterra,
Holanda, Suécia, Dinamarca e vários principados alemães estabeleceram, no Tratado
de Haia, em Setembro desse mesmo ano, a Grande
Aliança. O aumento da tensão entre as partes deflagrou a guerra que se
iniciou pelo norte da Itália e, nos 11 anos seguintes, alastrou-se pelos
principados alemães, Países Baixos, norte da França e Península Ibérica, envolvendo
quase todas as nações do continente.
A
posição inicial de Portugal foi favorável à pretensão dos Bourbons. Sob a
batuta do então embaixador na França, José Cunha Brochado, em 18 de Junho
de 1701, Filipe V foi reconhecido
rei de Espanha. Mas, a reacção inglesa foi imediata. Em Setembro do ano
seguinte, às instâncias do embaixador John Methuen, esse tratado foi anulado e outro
foi estabelecido com a Inglaterra. Seu texto previa que Portugal teria direito
a vários territórios na fronteira com a Espanha, na Extremadura e na Galiza,
e sobre a Colónia do Sacramento na foz do rio da Prata, o que reflectia
seus desejos expansionistas tanto na Europa, quanto na América. Em Dezembro de
1703, solidificando mais ainda a
aliança anglo-portuguesa, foi assinado um acordo de comércio, que acabou
conhecido sob o nome do embaixador inglês, o Tratado de Methuen. Tanto
esse acordo comercial, quanto a aliança defensiva e ofensiva dividiram a elite
dirigente portuguesa, o que se reflectiu no Conselho de Estado, que se cindiu
entre pró-franceses e pró-ingleses. Luís da Cunha foi um ácido crítico
das vantagens comerciais concedidas à Inglaterra.
Como
temera Brochado, a mudança de rumo da política externa portuguesa levou
o palco da guerra para o seu território, tanto na Europa, quanto em diversas
praças do império, especialmente a América. Em Janeiro de 1704, de acordo com Joaquim Veríssimo Serrão:
as tropas franco-espanholas atacaram em força a Beira e o
Alentejo, tomando sem resistência Salvaterra, Segura e Zibreira, enquanto
Monsanto e Idanha-a-Nova o foram de assalto. (...) Não tardou em cair Castelo
Branco, (...) depois Portalegre e Castelo de Vide. Na parte norte do Tejo
também Penamacor foi assediada.
Na
América, o alvo dos espanhóis foi a Colónia do Sacramento, que havia
sido estabelecida em 1680, na margem
setentrional do rio da Prata, por uma expedição portuguesa capitaneada por
Manoel Lobo, então governador do Rio de Janeiro. Em 1704, o governador de Buenos Aires, Afonso Valdpes Inclán, recrutou
suas tropas regulares, auxiliadas por mais 4.000 índios aldeados e, em Outubro,
estabeleceu um cerco em torno da fortaleza, que pretendia levar seus moradores
à fome e à rendição. Os ataques de artilharia foram intermitentes, até que, em
Março de 1705, o governador
Sebastião Veiga Cabral abandonou a fortaleza, levando as tropas portuguesas ali
aquarteladas, os moradores civis, além das armas e munições que conseguiu
embarcar na esquadra que foi enviada para resgatá-los. As negociações
luso-espanholas no Congresso de Utrecht (1712-1715), tendo os
ingleses como mediadores, foram custosas e demoradas. No que dizia respeito à
Europa, Portugal e Espanha basicamente devolveram uma à outra as praças
conquistadas. Quanto à América, versaram não só sobre a questão da Colónia do
Sacramento, que foi devolvida aos portugueses, mas também sobre a restituição
de navios portugueses que haviam sido presos em Buenos Aires, acusados de
contrabando». In Júnia Ferreira Furtado, Guerra,
Diplomacia e mapas, a Guerra da Sucessão Espanhola, o Tratado de Utrecht e a
América portuguesa na cartografia de D’Anville, revista Topoi, v. 12, nº 23, 2011.
Cortesia
de Topoi/JDACT